-->

Páginas

11 novembro 2019

Textual description of firstImageUrl

Os Carpinteiros

11 novembro 2019 0 Comentários
HOUVE DEZENAS DE CARPINTEIROS EM SETE SÉCULOS MONTALVANENSES.


Conheci bem um carpinteiro de Montalvão. No apogeu dos Ofícios em Montalvão, entre os anos 30 e 60, houve o Ti Zé Leandro (depois a carpintaria passou a taberna) da rua de São Pedro, o Ti Serrote na rua da Barca, o Ti Zé Caratana que teve "poiso" mais duradoiro na rua das Almas e ainda o Ti Juan Papagaio no início (de quem vem de baixo) ou final (de quem vem de cima) na rua de São João. 

(clicar em cima da imagem para obter melhor visualização)


O Ti Zé Caratana (sem ligações familiares ao ofício) teve por Mestre o Ti Zé Leandro. Depois foi Mestre do Ti Juan Papagaio (que foi mais Marceneiro que Carpinteiro, embora fosse ajuda preciosa quando fazia falta)
Num povoado como Montalvão, sempre abaixo dos três mil habitantes, eram necessários dois carpinteiros com aprendizes (ajudantes, geralmente os filhos). Havia trabalho, mas não tanto para permitir a sobrevivência de mais de uma ou duas famílias. Até porque havia ainda os Marceneiros. Os carpinteiros faziam os veículos de tração animal (carroças, carros e carretas; com rodas ferradas com auxílio dos ferreiros), as escadas, as cangas, as charruas e arados, os trilhos, os cabos de enxadas, sacholas, pás, gadanhas, foices, forquilhas e demais utensílios para o "cavanço", as angarelas, ajudavam a travar os sobrados, um vasto número de artefactos fundamentais no Mundo Rural. E depois tinham de ir fazendo as necessárias recuperações e arranjos devido aos estragos causados pelo uso prolongado.

O Ti Zé Caratana com carpintaria no antigo lagar de azeite da rua das Almas era um artista com genialidade.



Era pau para toda a obra. Escadas, portas, postigos e janelas.
Carroças, carretas e carros.
Ferrolhos, portões e trincos.
Mil e um utensílios que o tempo, o progresso e o abandono do povoado fez criar teias de aranha e ninhos de pássaro.


Pelo chiar do rodado sabia de quem era a carroça, carro ou carreta pois das mãos dele saíram com esmero.


Só pela sombra ao passarem nas costas de alguém umas escadas para colher azeitona sabia quando as tinha feito.



E piões, trinchas e pincéis. Foices, marretas e estacas. Serradura, lascas ou cavacas. 



E aquele trilho com "dentes" de madeira para não riscar as lajes da eira?



Cangas, arados, charruas e varapaus. Tudo saiu daquelas mãos de ouro preciosas a moldar madeira como um pianista a sublimar notas num piano.  



Sobrados, escadarias, traves e telhados. Coberturas ou caixas. Caixotes ou caixinhas.



Machados, serras, martelos, facas e enxadas ou sacholas ou gadanhas. Tudo lhe passava pelo engenho das mãos e invenção do momento.



Sempre com uma causa. Uma vez estava a fazer umas escadas e de repente atirou-as para o fundo da carpintaria dizendo. «Ora esta! Quanto mais escadas faço para os outros subirem mais eu desço que estas pernas já não conseguem andar o que andaram».



Conheci bem este carpinteiro. Abençoadas horas que passei com ele. Cada uma valia por meia dúzia.


NOTA: Fotografias a preto-e-branco de Artur Pastor

Próxima "paragem": Os Alfaiates 
Ler Mais ►

09 novembro 2019

Textual description of firstImageUrl

Estradas Vão, Estradas Vêm (Parte I: Montalvão-Nisa)

09 novembro 2019 0 Comentários
O ISOLAMENTO DE MONTALVÃO FOI DURADOIRO. UMA ILHA RODEADA DE TERRA.



Embora a grande quebra de estar para ali sem ninguém dar por isso esteja muito mais relacionada com o serviço postal do que com as estradas num tempo em que ninguém ou poucos tinham automóvel. De qualquer modo as estradas permitiam que até o serviço postal fosse mais célere e eficiente. 

A possibilidade de saber que havia caminhos de terra batida, muitas vezes implacáveis de Verão e impraticáveis de Inverno, depois transformados em estrada de todo o ano foi um incremento na quebra de isolamento, mas a melhoria do serviço postal e principalmente o telégrafo e telefone passaram para o imaginário dos montalvanenses do tipo: sabem que estamos aqui e podemos dizer que estamos aqui.



Até meados do século XX talvez mais de metade da população de Montalvão nunca tinha ido para além de Nisa ou Póvoa e Meadas, e mesmo nestes casos, muitas vezes só chegavam às Ermidas de Nossa Senhora da Graça (que também é a padroeira de Montalvão e à qual está dedicada a Igreja Matriz) e de São Silvestre, respetivamente.


Quarta travessia do rio Tejo (terceira rodoviária) no troço português, inaugurada em 1888 foi um avanço notável para as comunicações, a todos os níveis: do pedonal, ao rodoviário até ao serviço postal e telefónico

Também houve quem nunca escrevesse uma carta, usasse o telégrafo ou fizesse um telefonema. Mas só por si, saber que tinha essa possibilidade era um descanso.

Antes de se escrever neste blogue acerca dessa quebra de isolamento, nem que fosse sentido, com o serviço postal, depois o telégrafo e finalmente o telefone, vamos às duas estradas.

Comecemos pela principal. A de Nisa que liga Montalvão à principal localidade da região, depois a sua sede de Concelho quando Montalvão deixou de o ser.


Em homenagem ao inventor escocês McAdam as estradas com pedra (macadame) sobre o terreno nu significaram um avanço extraordinário pois permitiam fazer viagens com a mesma duração, fosse de Verão ou Inverno. A lama e as armadilhas no piso esburacado praticamente terminaram. Várias camadas de pedra, desde mais graúda a mais miúda. compactada com cilindros pesados aplanaram o piso e deram-lhe consistência. Ainda me lembro de um troço de estrada branca, entre Montalvão e a Salavessa. Depois o alcatrão tratou de fazer de estradas esbranquiçadas ondulantes, as planas e uniformes estradas escuras que conhecemos e pisamos na atualidade.

O primeiro mapa que regista as estradas (à época eram mais caminhos com capacidade para utilização de carros e carroças) em torno de Nisa é curioso. Data de 1771 impresso em França, vendido em Bordéus e da responsabilidade de Giovanni Antonio Rizzi Zannoni. Entre Nisa e Montalvão (e vice-versa) talvez alguém conseguisse ir de uma à outra sem sobressaltos de maior tendo em conta o que está cartografado. Mas que parece ser uma invenção... parece. E em cartografia antiga o que parece, por vezes, não é!

(clicar em cima desta e de quase todas as imagens permite melhor visualização das mesmas)





A cartografia de Tomás López publicada em 1790, ou seja, 19 anos depois da anterior, acrescenta mais informação para uma região recôndita de Portugal, da qual não seria de esperar mais... mas o certo é que já se percebe uma azinhaga direta entre Nisa e Montalvão e vice-versa (como são sempre as veredas, as azinhagas, os caminhos e as estradas).



Não menos curioso é o seguinte. Data de 1 de Agosto de 1810 e quem se guiasse por ele mais depressa chegaria a "Evendas" que a Montalvão! Publicado em Londres por T. Egerton da responsabilidade do cartógrafo Capitão William Elliott. 



Isto quando estava cartografado o melhor mapa - dos que se conhecem - feito até à época datando de 1808 - num desdobrável com as distâncias-tempo que os militares tinham, ocasionalmente em caso de necessidade, de percorrer também usada no serviço postal que percorria diariamente todo o Portugal. Para simplificar a leitura juntam-se as folhas do desdobrável que por ser isso tem pano-cru, atrás, a suportar o desdobramento do papel. É a «Carta Militar das Principais Estradas Militares» da responsabilidade de Lourenço Homem da Cunha de Eça. Um pequeno avanço na cartografia, um enorme contributo para perceber «quanto tempo era o tempo que tinha de ter tempo»!

(clicar em cima desta e de quase todas as imagens permite melhor visualização das mesmas)



Os mapas com cartografia da área de Nisa/Montalvão, no século XIX acrescentam muito pouco a este último, datado de 1808, que durante anos prestou um contributo de valor ao Serviço Postal permitindo a Montalvão ser servido diariamente (pelo menos, em 1888, ano em que há registos) diariamente de Nisa para Montalvão (a mala postal saía de Nisa às sete da manhã e chegava a Montalvão ao meio-dia) e de Montalvão para Nisa (a mala saía às duas da tarde e chegava às sete). Cinco horas de caminho! Mas isso é matéria para texto autónomo.



Há ainda os mapas (em cima) publicados pela CP (Caminhos de Ferro Portugueses) com o esperado pouco rigor nas estradas sem ser de ferro e os Mapas para velocipedistas, motociclistas e automobilistas (em baixo).

A União Velocipédica Portuguesa (atual Federação Portuguesa de Ciclismo) foi fundada em 14 de dezembro de 1899 por isso este mapa de Portugal foi elaborado em 1905 e publicado em 1907 (ao que consta)

Com o aparecimento do automóvel e a sua expansão rapidamente apareceram os primeiros mapas comerciais. No início da responsabilidade da UVP (União Velocipédica Portuguesa) e a partir de 1913, pelo ACP (Automóvel Clube de Portugal). Quer com estes mapas, quer com a cartografia dos Serviços Cartográficos do Reino de Portugal e depois da República Portuguesa é muito interessante perceber a dificuldade que houve em concluir a Estrada Nacional n.º 359 (Montalvão - Nisa - Vila Flor - Amieira (variante por Gardete com a construção da barragem do Fratel, inaugurada em 1973) - Envendos - Mação - Mouriscas - Alferrarede, nos arredores de Abrantes) que foi traçada aos "bochechos" e pavimentada - primeiro em macadame - e depois alcatroada aos "soluços". Como começou em Alferrarede, ainda no século XIX soluçou quase 50 anos até ser finalizada ("macadamizada") junto do início da rua de São João (com ponedros, depois "paralelos") já os anos 30 do século XX iam para lá de meio.



Mas isso fica para a Parte II (século XX). E ainda há a Municipal n.º 525 entre Montalvão e Castelo de Vide passando pela Póvoa e Meadas. Além da ligação Montalvão - Salavessa que é a Municipal n.º 526. Só as estradas que substituíram caminhos e azinhagas desde a fundação de Montalvão - pensadas, trabalhadas e melhoradas, aos bochechos e soluços - davam para fazer um blogue à parte.


Em 1941 (escala 1/250 000) estrada de macadame entre Nisa e Montalvão, caminhos/azinhagas para a Salavessa e Póvoa e Meadas, com passagem pela Fonte Ferranha e o São Silvestre (a estrada atual desvia para Este - contornando duas sub-bacias do ribeiro de Fivenco ou Fevelo (em montalvanês) e da ribeira de São João - a fim de ter evitado a construção de uma ponte por cima da linha de água sobre o vale da Fonte Ferranha)


Até à próxima...

Ler Mais ►

07 novembro 2019

Textual description of firstImageUrl

Os Forneiros

07 novembro 2019 0 Comentários
FINAL DO CICLO DO «PÃO NOSSO DE CADA DIA»



Depois dos moleiros transformarem o grão em farinha eram as «mulheres da Vila» numa prática ancestral que passava de mães para filhas permitindo a estas quando casavam amassar o pão dia-a-dia (uma forma de dizer, pois por vezes era uma vez por semana) para ser comido por todos e por vezes dar um naco a quem não o tinha. E não eram poucos. Os nacos e quem não tinha farinha para amassar. 



Amassando a farinha, deixando o pão amassado fermentar, crescer, fazer-se massa para cozer, tinham importância redobrada os seis fornos - que coziam pão - em simultâneo em Montalvão.


Benza-o Deus para que cresça/ Que não falte em barriga que mexa

No século XX (Anos 30 a 60), houve o Forno da Xá Tomásia no «Fundo da Rua», o da Xá Teresa e da Xá Tomásia Carrilho na rua Direita e Outeiro, o da Xá Cigarrilha e da Xá Ana na rua do Cabo (continuação para oeste da rua Direita) e o da Xá Martinha na rua do Arneiro a chegar ao «Pátio». Esposas a controlar o calor do forno onde as mulheres levavam a massa já pronta para cozer e os esposos a catar xaras, até às «Barreiras do Rio» para fazer lume e dar seguimento ao «Ciclo do Pão»: da semente se faz crescer grão, do grão de faz farinha e da farinha amassada se faz pão.

(clicar em cima da imagem para melhorar a visualização)



Cozendo o pão à vez cabia a cada mulher estabelecer "um contrato" com o forno pagando a respetiva maquia, ou seja, deixava um número determinado de pães (dependendo de quantos cozia, da frequência com que ia ao forno e da relação pessoal com os forneiros). Os fornos não eram dos forneiros e forneiras, estes faziam o trabalho mas as instalações pertenciam a algumas das famílias ricas de Montalvão que assim conseguiam uma espécie de "economia de escala": tinham quem cozesse o seu pão de graça e o "pagamento" em maquia era feito pelo resto das famílias montalvanenses. Também vendiam pão a quem não tivesse farinha para amassar. E tivesse dinheiro para o comprar...




O grão que ao passar a farinha ficara uma maquia para o Moleiro acabava por sofrer mais "um corte" já em forma final, numa maquia de pão ou pães. Era assim à mingua. Pagar produtos com parte do produto.




Eis uma parte importante da vida montalvanense. Pois aquele pão fintado e com o sinal da cruz permitia que surgissem apetitosos quatro nacos. Abençoados nacos.



Próxima "paragem": Os Carpinteiros

NOTA FINAL: Quando se escreve "Os Forneiros" seria mais correto "As Forneiras" pois os maridos praticamente não estavam no forno. Passavam o dia (às vezes parte da noite aquando do Inverno dos dias curtos e debaixo de chuvadas) a apanhar lenha - quase catar a pouca que havia e cada vez mais longe da Vila - e transportá-la, em cima de um par de burrecos, para abastecer o Forno e aquecê-lo para funcionar (cozer a massa e transformá-la em pão). O «Pão Nosso de Cada Dia».




Ler Mais ►

06 novembro 2019

Textual description of firstImageUrl

Açafa a Deixar de o Ser (1242)

06 novembro 2019 0 Comentários
OS TEMPLÁRIOS NÃO CEDEM AO BISPO DA GUARDA OS TERRITÓRIOS A SUL DO RIO TEJO.



A importância do Bispo da Guarda aumentou exponencialmente, no século XIII, obrigando os Templários a cederem poder sobre o seu território e localidades que haviam fundado. Recordemos que D. Sancho I cede a Herdade da Açafa, em 5 de julho de 1199 (como foi assinalado - clicar - neste blogue aquando dos 820 anos dessa efeméride) à Ordem do Templo ou dos Cavaleiros Templários e funda a cidade da Guarda, em 27 de novembro de 1199, que em 1203 passa a ser uma Diocese. 



Distam 145 dias e cerca de 110 quilómetros em linha reta entre a Guarda e Montalvão, mas apenas 43 anos depois, estala um conflito que vai colocar o território que restava da Açafa, ou seja, a sul do rio Tejo em «estado de sítio  religioso» sendo mesmo excomungado pelo Bispo da Guarda. E em excomunhão entenda-se... tudo - desde matérias inertes a seres vivos (Fauna e Flora incluído a espécie humana, como é, ou era, óbvio) - o que nesse território vivesse ou nascesse. Os Templários donatários de uma vasta área, embora de início inóspita e hostil, foram cedendo ao domínio do Bispo da Guarda, submetendo-se ao seu poder, mas recusam fazer o mesmo para o território a sul do rio Tejo. Só até à margem direita desse rio abdicam de poder absoluto mantendo-o na margem esquerda. Em 1242, abdicam finalmente do que restava do território a norte do rio Tejo, cedendo Castelo Branco e Ródão mas recusam a pretensão do Bispo da Guarda em senhoriar Nisa e restante território entre a ribeira de Figueiró e a fronteira com Castela. O conflito vai durar 45 anos, até 1287 (16 de abril). São anos de incerteza que vão ter marca no aparecimento de Montalvão



Tratando-se de um assunto que só indiretamente está relacionado com Montalvão reserva-se o desenvolvimento do porquê do crescimento da importância do domínio do Bispo da Guarda nos territórios a sul desta cidade para o assinalar da efeméride dos 820 anos do Foral da Guarda, em 27 de novembro de 1199 - 2019. Há a reforçar que a Guarda teve desde logo, em 1203, protecção papal com a criação da «Diocese da Guarda» no sentido em que se restaurava num local praticamente ermo - foi limitado povoado lusitano, romano, suevo e almóada (Antaniya) - mas de difícil conquista, substituindo a antiga e dedicada cidade visigótica cristã Egitânia (Idanha-a-Velha) e antiga Diocese Egitaniense (transferida cerca de seis séculos depois para a Guarda) daí a explicação para o gentílico de quem nasce ou vive na cidade da Guarda: egitanienses, embora a Guarda fique... 62 quilómetros a norte de Idanha-a-Velha, a antiga Egitânia! 


Entre o apogeu de Egitânia (Idanha-a-Velha) cerca de 599 e a cartografia do primeiro mapa em Portugal (Álvaro Seco; publicado em 1560 ou 1561) a outrora importante Egitânia no limite do território entre os suevos e os visigodos, praticamente deixou de existir não resistindo às lutas entre cristãos e muçulmanos e estadia destes no território. Assim, aparece cartografada, com pouco destaque, neste primeiro mapa que representa Portugal

Os caminhos que a história trilha são por vezes veredas...
Ler Mais ►

03 novembro 2019

Textual description of firstImageUrl

Os Moleiros

03 novembro 2019 0 Comentários
ERAM OS PRIMEIROS A CRIAR CONDIÇÕES PARA HAVER O «PÃO NOSSO DE CADA DIA».



Utilizavam a força da água do rio Sever numa obra de destreza humana impressionante. 



Aproveitaram desde tempos ancestrais o caudal do rio quase inexistente a cada Estio para fazerem açudes de lajes de xisto a travar outras lajes que depois quando o rio tinha caudal forte entre finais de Outono e a Primavera desviar a água para o interior das azenhas cuja força da corrente conseguia rodar as mós, moendo o cereal. 




Os açudes no rio permitiam tanto interromper o caudal impetuoso como represar a água, quando corria pouco, fazendo um fluxo forte para mover a pesada mó que esfarelava o grão. Quando não era necessário deixavam o rio correr. Quando havia pouca água no caudal do rio represavam-na pois os açudes tinham um "poço" (pégo) que juntava um volume de água gigantesco para depois ser enviada para passar dentro da azenha e fazer o que tinha de ser feito pois foi para isso que desde tempos de antanho se construíram açudes e azenhas. 



Com o moinho eléctrico construído junto à «Cabine» (instalada em 1948) na rua das Traseiras os sete moinhos do rio foram perdendo importância pois o esforço repartido entre homens e animais era gigantesco. Subir e descer as «Barreiras do Rio» carregando sacas de cereal (barreira abaixo) ou de farinha (barreira acima) era tarefa hercúlea.


Nas cartas topográficas mais antigas - antes da inauguração da Barragem de Cedillo (26 de Outubro de 1975) - é possível localizar as sete azenhas de rio do lado português.

Há ainda um "molino" mais a jusante no rio Sever também do lado espanhol, o Molino do ti Zé do Reté na latitude (mais ou menos dos Dourados). É provável aquando do trabalho de campo - se realizado no Inverno - para elaborar esta Carta Topográfica (escala 1/25 000) publicada em 1968 o molino estivesse submerso pois era o que lhe ocorria metade do ano, muitas vezes entre novembro e abril de cada ano hidrológico. A lógica dos moinhos de rio (azenhas) era funcional. Ver NOTA FINAL  

HOUVE DEZENAS DE MOLEIROS EM SETE SÉCULOS MONTALVANENSES.





No século XX (Anos 30 a 60), houve o Ti Morujo e o Ti Mané Bento na rua da Costa, o Ti Mané Pedro na rua das Almas, o Ti Zé do Reté e o Ti Ica na rua da Barca, o Ti Juan Belo na rua do Outeiro, o Ti Panim na rua do Cabo e ainda o Ti Chapa da rua de São Pedro. Tantos e tão poucos o que ilustra a importância de quem conseguia transformar o grão em farinha para ser pão. 


(clicar em cima da imagem para melhorar a visualização)






Os Moleiros eram os que continuavam o ciclo do pão que começava por ser semeado, mondado, ceifado, debulhado, "limpo" e ensacado. Quando saía o "agricultor" entrava o Moleiro. Este recebia as sacas de trigo - ou de outro cereal - "Levava-as ao Rio" nas suas parelhas, manobrava as seculares "engenhocas" para fazer rodar as mós e transformava o grão em farinha. Era carregar os asnos e regressar à povoação. Depois o dono do grão pagava o trabalho do Moleiro em farinha e o Moleiro tinha pão para comer e vender. Tudo à míngua. 

Havia também Moleiros que compravam o grão, transformavam em farinha e depois vendiam-na a quem não tivesse grão por não poder semear, por falta de terrenos mas necessidade de comer pão.




Com o Moinho Eléctrico criou-se uma divisão entre os Moleiros tradicionais e os dois que tinham usufruto do moinho junto à Cabine, o Ti Chapa e o Ti Panim.

E depois ainda mais modificações. A final. Com a abertura das duas padarias. Uma no início da rua de São João e outra junto à «Cabine» para aproveitar o moinho eléctrico. Tudo acabou. Os Moleiros passaram a fazer parte do nosso imaginário montalvanense.



Entre eles o que me traz mais recordações é o Ti Ica. E por dois motivos. Sempre achei curiosa a "Casa do Marco". O Ti Ica vivia na casa - talvez a primeira da rua da Barca, embora ali não se saiba bem se já é a rua da Barca, mas é uma artéria que é estrada pois lembraram-se de colocar junto a ela um marco quilométrico que assinala : Salavessa: 8 km; Montalvão: 0 km. Sempre me ri com esta informação. Principalmente a última! Além disso a minha mãe sempre falou muito bem do Ti Ica ou não fosse ele o pai de algumas das suas amigas de infância. 

Próxima "paragem": Os Forneiros

NOTA FINAL1: Em rios que têm o caudal muito dependente da precipitação (caudal pluviométrico) como era o rio Sever antes da construção da Barragem, a corrente de água sofre prolongadas estiagens (actualmente é um "lago" devido à água do rio Tejo que a barragem "obriga" a invadir o leito do rio Sever). As azenhas mais a montante trabalham de Inverno mas depois deixam de poder trabalhar na Primavera. As azenhas mais a jusante podem até trabalhar no Verão em anos hidrológicos intensos. A azenha do Moinho Branco (quase no limite da fronteira entre Montalvão e Póvoa e Meadas, que é na confluência da ribeira de São João) era a primeira a trabalhar (logo pouco após as primeiras chuvadas) e a primeira a deixar de trabalhar (Primavera). A azenha do Ti Zé do Reté (a mais próxima da confluência do rio Sever com o rio Tejo) era a última a começar a trabalhar mas também a última a deixar de trabalhar e até podia, em anos hidrológicos com muita precipitação, trabalhar todo o Verão. No Inverno ficava debaixo de água! Ainda uma nota para o tempo em que havia fronteira aduaneira entre Portugal e Espanha. Legalmente, os sete moinhos portugueses só trabalhavam com cereal de Portugal e os dois espanhóis com cereal de Espanha. Mais uma nota, pois os moleiros partilhavam quer os moinhos, quer os momentos do ano hidrológico para poderem satisfazer o que davam à sociedade e aos montalvanenses: trabalho e farinha!   




NOTA FINAL2: Embora correndo o risco de tornar este texto muito extenso é importante publicar um registo que confirma, o que seria de supor, os moinhos do rio devem datar do início do povoamento pois não se vive sem pão e para haver pão tem de se transformar o grão em farinha. No Inventário que foi pedido aos párocos do todo o País para avaliar os danos causados pelo Terramoto do 1.º de novembro de 1755, o pároco de Montalvão, Vigário frei António Nunes de Mendonça é inequívoco, em 24 de abril de 1758 na resposta à complexa pergunta se a localidade tinha serras e como eram e se tinha rios e como eram. A resposta ocupa um terço do inventário por isso a sua publicação integral ficará para um dia destes. Em relação ao rio Sever moinhos e caudal o pároco não podia ser mais exaustivo: 

(clicar em cima da imagem para conseguir melhor visualização)




         Não tem esta Villa no seu termo Serra alguma, nem nella nascem rios alguns; excepto dois, que correm pello termo, que divide este Reyno do de Castela; hum hé o Rio chamado Sever, que nasce no termo da Villa de Marvaõ, que dista cinco légoas desta Villa. E vai morrer no Rio Tejo, no termo desta Villa; e tem este sete, ou oito légoas de comprido; tem ponte de pedra em distância de uma légoa no termo de Marvaõ aonde chamam a Portagem; porque logo começa o seu cursocaudálico; tem moinhos e assudes; e naõ hé nem pode ser navegável, porque corre por terras muito fragosas e apertadas; hé livre, e somente tem alguns moinhos de paõ, que pagam foro ao Conde de Povolide Senhor da Commenda desta Villa = Das suas águas usaõ os moradores desta Villa com liberdade =...

(clicar em cima da imagem para conseguir melhor visualização)




.... e corre este rio de sul a norte; e nele entra no termo desta Villa uma ribeira, que chamam de Sam Joaõ, que nasce no termo da da villa de Castello de Vide, e vem passando pelo termo da villa de Póvoa e Meadas, até este termo aonde se acaba o ditto rio; e também tem esta ribeira alguns peixes, e algumas árvores silvestres; e no tempo de veraõ suspende as suas correntes, e fica alguma ágoa represada, em algumas funduras, que tem; o rio acima dito hé caudaloso e sempre corre com ímpeto; mas no tempo de veraõ hé menos impetuoso o seu curso; de sorte, que um destes anos em que houve esterilidade d'ágoas se vio totalmente exausta a sua corrente -
Ler Mais ►