A POUCO MAIS DE UM MÊS (26 DE SETEMBRO DE 2021) DAS XIII ELEIÇÕES AUTÁRQUICAS UM BOM PRETEXTO PARA ESCREVER ACERCA DA ADMINISTRAÇÃO DO VASTO TERRITÓRIO DE MONTALVÃO.
Fundada pela Ordem dos Cavaleiros do Templo já quando esta estava próxima da extinção, a Comenda de Montalvão foi durante séculos Comenda cujo "proprietário" era um nobre da Ordem de Cristo que herdou os bens da Ordem dos Templários durante o reinado de Dom Dinis (1261/1325; Rei desde 1279). A Comenda foi depois sendo doada pelo Mestre da Ordem de Cristo a cavaleiros da Ordem com confirmação régia. Em tantos séculos houve ocorrências várias, desde doar e retirar até passar entre gerações como herança. Contabilizam-se 37 comendadores, desde Dom Vasco Fernandes (1287) até que a Revolução Liberal, com início na cidade do Porto, em 24 de Agosto de 1820 - completam-se 201 anos na próxima terça-feira - terminou com as Comendas ao extinguir as Ordens Religiosas. Os Municípios são contemporâneos das Comendas, embora se fossem formando progressivamente por todo o País sem ser em simultâneo, como forma de administrar o território num sistema, que atualmente é difícil de entender - pelo modo de vida e ação de cidadania que temos - mas que durante séculos coexistiu. O Município de Montalvão datará dos primórdios da formação dos Municípios (mas ainda não é possível datar, mas nada é definitivo é uma questão de pesquisar e ter paciência). A extinção da Comenda de Montalvão (em 1833) é, praticamente contemporânea, da extinção do Município (6 de novembro de 1836) devido à reorganização administrativa implementada pelo castelovidense Mouzinho da Silveira, em 16 de maio de 1932 (clicar) mas muita outra legislação se sucedeu, como o decreto n.º 64 de 28 de junho de 1833 com o novo mapa administrativo de Portugal em que Montalvão já não consta como Município. E depois há mais duas datas a registar (18 de julho de 1835 e 6 de novembro de 1836).
Há "vestígios" do Município um século (mais ou menos) antes. Quando no reinado de Dom José I, o Secretário de Estado dos Negócios do Reino, Sebastião José de Carvalho e Melo (futuro Marquês de Pombal) num aviso, em 18 de janeiro de 1758, remeteu para os principais párocos de todo o País, um vasto inquérito acerca das suas paróquias, solicitando pormenorizadas descrições administrativas, demográficas, económicas, geográficas, históricas e sociológicas, com um elaborado interrogatório acerca dos estragos provocados pelo terramoto ocorrido no 1.º de novembro de 1755. O pároco de Montalvão, Vigário Frei António Nunes Pestana de Mendonça fez um trabalho de excelência respondendo, datado de 24 de abril de 1758, com descrições concisas e precisas que permitiram aos vindouros conhecer muito do que foi Montalvão em meados do século XVII. Acerca da Administração eis as perguntas:
«1.º O Que se procura saber dessa terra, he o seguinte. Venha tudo escrito em Letra legível e sem brevas (abreviaturas) 1.º Em que Província fica, a que Bispado , Commarca, Termo, e Freguesia pertence?
2.º Se he delRey, ou de Donatario, e quem he este?
...
16.º Se tem Juiz ordinario de Camara, ou se está sugeita ao governo das Justiças de outra terra, e qual he esta?
17.º Se he Couto, cabeça de Conselho, honra, ou Behetria?»
E as respostas do "nosso" pároco:
«O que V(ossa) Magestade Fidelíssima procura saber desta Villa de Montalvão, hé o seguinte.
1.º Fica esta Villa na Província do Alemtejo, hé Bispado de Portalegre, Comarca do mesmo, tem termo, freguesia propria.
2.º Comendador della hé Conde de Povolide, aelle se pagaõ os dizimos, e alguñs fóros, cuja Comenda tráz arrendada.
...
16.º Tem dous Juizes ordinários com jurisdiçaõ na cível e crime; tem três veriadores e um procurador dos bens e rendas do Conselho; já teve em tempos antigos, juíz de Fora por cujo respeito conserva os três veriadores; e paga anualmente huma propina de Notário de regeiçaõ das Justiças a vottos do povo na presença do corregedor desta Comarca, e por ele saõ confirmadas.
17.º Naõ hé couto, nem cabeça do Conselho, honra, nem Behetria.»
Temos pois, aqui, um registo inequívoco e elucidativo. Em 1758 o Conde de Povolide, José da Cunha de Ataíde (36.º "comendador") teve a posse da Comenda de Montalvão desde 1770, doada por El Rei Dom José I, mas por pouco tempo - 22 anos - pois faleceu em 1792. Sucedeu a seu pai, Luiz Vasquez da Cunha (35.º "comendador") que a recebera em 1732, doada por El Rei Dom João V "herdada" também do pai, ou seja, três gerações, em linha direta - avô, pai e neto - dos Condes de Povolide, aliás I, II e III Condes de Povolide. Com o bisneto de Tristão da Cunha de Ataíde - este I Conde de Povolide, cuja Comenda e Título foram concedidos, respetivamente em 1696 e 1709, por El Rei Dom Pedro II - o IV Conde de Povolide, Luiz José da Cunha Grãam de Ataíde e Mello, comendador de Montalvão, durante 41 anos, entre 1792 e 1833, quando faleceu, extinguiu-se a Comenda de Montalvão. Mas toda a história de Montalvão como Comenda merece ser contada à parte, "comendador a comendador"! Como se percebe pela complexidade do tema entre doações régias e, por vezes, heranças familiares.
Edifício na Praça (da República depois de 5 de outubro de 1910) onde esteve sediada a sede do Município de Montalvão |
Extinta a Comenda (1833) e pouco tempo depois (1836) o Município, Montalvão passou de imponente Município - com história e importância, devido à Barca para atravessa o rio Tejo, entre o Alentejo e a Beira, e sítio altaneiro fronteiriço - a freguesia de Nisa, embora com o território de maior dimensão. E a terceira maior localidade, do concelho nisense, depois de Nisa e Alpalhão.
Entre final do século XIX e a implantação da República a administração do território revestiu-se de outros moldes. Já se escreveu acerca disso a propósito de um acontecimento em 1911 (clicar).
Após a implantação do Estado Novo (1933) a estrutura administrativa em Montalvão assentava, essencialmente no Regedor. Como a Câmara de Nisa não facilita - é muito mais fácil conhecer Montalvão em Lisboa que em Nisa, embora seja um paradoxo - ainda não consegui descobrir quantos Regedores teve Montalvão. Restam as memórias dos montalvanenses. Quanto aos Regedores há um texto acerca do senhor Jaime (clicar). O Regedor (das freguesias) era escolha dos presidentes das Câmaras Municipais, sendo estes escolhidos pelos Governadores Civis (Distritais) que por sua vez eram nomeados pelo Ministro da Administração Interna (ministério geralmente designado "do Interior").
Edifício da Casa do Povo (inaugurado em 10 de setembro de 1952) onde o Senhor António Falcão exerceu vários cargos, com destaque para a tesouraria |
Durante os Anos 40 o Senhor Jaime (morador na Praça da República) foi o Regedor de Montalvão, seguindo-se o Senhor António Pimentel (morador na rua do Arrabalde). O Senhor Jaime regressou como Regedor sendo ele o Regedor em 25 de Abril de 1974. Claro que deixou de o ser.
Foi escolhido para presidir a uma espécie de «Comissão Administrativa da Freguesia» o Senhor António Falcão. Homem integro, a quem se recorria quando havia necessidade de nomear alguém para cargos de tesouraria, coube-lhe fazer a transição entre o Estado Novo e as primeiras Eleições Autárquicas, em 12 de dezembro de 1976. O senhor Falcão era lojista, junto à Praça da República, filho do Padre Virgílio, outra figura grada montalvanense. Nunca se consegue enaltecer devidamente o Senhor Falcão, por muitos textos que se façam, pelo prestígio e confiança que os montalvanenses, salavessenses, do Monte do Pombo e Santo André, tinham nele, como homem honrado, prestável, desprendido, culto e afável. Uma vida simples, que não deixou "obra física", mas em que esta "obra" é a sua vida de dádiva, prestando serviços inestimáveis, aos montalvanenses e a Montalvão.
Depois é história em que há muito para contar e números para mostrar.
Assim se fez, faz e continuará a fazer Montalvão!
Interessante.Também tenho lido com deleite, as perguntas do Marquês de Pombal e as respostas dos padres de 1758.
ResponderEliminarHá mais um pormenor na historia de Montalvão muito curioso.
A minha avó materna era natural de Povolide, que fica nas margens do Rio Dao, entre Viseu e Mangualde.
Aliás, Povolide é agora (depois da sua grandeza Real) uma freguesia de Viseu.
Caro
ResponderEliminarO I Conde de Povolide (Tristão da Cunha Ataíde) era sobrinho de Nuno da Cunha Ataíde, Conde de Pontével.
Abraço glorioso