O PREGOEIRO ERA FUNDAMENTAL EM POVOADOS COM DIMENSÃO DEMOGRÁFICA CONSIDERÁVEL, ACIMA DE ALGUMAS CENTENAS DE HABITANTES. A FREGUESIA DE MONTALVÃO ATINGIU QUASE TRÊS MIL, EM MEADOS DOS ANOS 40.
Multifunções
Num tempo em que não havia meios de comunicação tecnológica eram estes homens de voz grossa, resistência física e respeitados na comunidade que tinham uma espécie de funções "multiuso". Eram muito mais que "Perdidos e Achados" embora também o fossem e bem. Sempre que havia necessidade comunicavam pelas ruas da «Vila» as novidades. Onde estava alguém a querer vender. Onde estava alguém a querer comprar. Até os lojistas quando tinham novidades ou algum produto que sabiam ter procura, por ser pedido ou desejado, anunciavam através do Pregoeiro. Mesmo produtos agrícolas, escassos ou inexistentes, em Montalvão, respetivamente, como as castanhas e as cerejas, por exemplo. Também avisando que alguém "de fora" tinha chegado para comprar e vender, mesmo que depois percorresse os arruamentos, mas como seria com maior lentidão, o Pregoeiro era mais rápido avisando que passaria à porta de cada um, isto para que quem estivesse para se ausentar pudesse adiar a saída do povoado se quisesse comprar ou vender. Quando chegava peixe do mar, com as sardinhas em destaque, o vendedor montava banca, na Praça da República, então um terreiro e era o Pregoeiro que ia anunciar que havia peixe para comprar.
Perdidos e Achados com Anúncios Classificados
Era o que mais chamava à atenção. Quem perdia procurava o Pregoeiro dando-lhe as informações para que fosse possível recuperar, pois podia ser que alguém tivesse achado.
Quem achava procurava o Pregoeiro dando-lhe as informações para encontrar o dono.
O pregoeiro de Cabeço de Vide, nos Anos 50 e 60 |
Atividade (pouco e mal) remunerada
Por isso só havia um Pregoeiro. Apenas quando este estava incapacitado, por doença ou lesão, era substituído temporariamente por alguém que também conseguisse ter voz forte e capacidade para o fazer. Mas havia respeito pelo Pregoeiro - haver mais do que um era ainda diminuir mais o seu pecúlio que já era pequeno - por isso muitas vezes quem o substituía até cobrava o pregão a favor do Pregoeiro, não querendo ficar com esse dinheiro. Estes Pregoeiros de "improviso" eram alguns dos artesãos e taberneiros da localidade (como o Ti Mané Desgraça da taberna do «Funde da Rua») ou outros como o Ti Cantchã (pai), pois teriam de ter assento e trabalho na localidade. Quem vivia da agricultura tinha pouco tempo para andar às voltas pela «Vila» a lançar pregões.
Em Montalvão, durante décadas o Pregoeiro era o Ti Meguél Camôns, que vivia no «Burnáldine» (Sítio do Bernardino) na rua do meio, numa das casas que dava para o largo onde foi implantado o fontanário quando se fez a distribuição da água canalizada ao domicílio, depois de 1965. Não podiam escolher melhor pois ele era uma espécie de "fonte" a cada pregão que lançava, mas há muito que deixara de o fazer.
Quando este já podia cada vez menos movimentar-se com ligeireza e ter voz com timbre para "lançar pregões" surgiu outro Pregoeiro, o Ti Alfrede (pai do Ti Zézana), que vivia logo no início da rua do Cabo, depois da rua Direita. Ficou "famoso" logo na estreia pois o primeiro pregão que "deitou" foi para ele, ao anunciar quanto custava o serviço: «Qu'm quezé mandá deité pregôns venha a tê cômigue que ê dête-os a dez tostôns!»
No apogeu demográfico montalvanense, com cerce de 2 500 habitantes na sede de freguesia e três mil por todo o território, em meados dos Anos 40 do século XX, este deve ter sido o Pregoeiro em dezenas desde a origem do povoado que mais pregões deitou. Havia meses que era um por dia e até mais do que um em alguns dias.
Com a diminuição do número de habitantes, que esvaziou demograficamente com alguma rapidez Montalvão, os pregões deixaram de fazer sentido. Terminaram os Pregoeiros.
Irene Belo numa notável e corajosa interpretação. Clicar para ouvir pregões típicos montalvanenses
Assim se foi fazendo (e desfazendo) Montalvão.
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