A EXISTÊNCIA DE ÁGUA POTÁVEL É FUNDAMENTAL PARA UM TERRITÓRIO SER POVOADO E FAZER CRESCER ESSE AGLOMERADO POPULACIONAL.
Montalvão tem uma localização de excelência num sítio elevado mas a água escasseia. A distribuição canalizada, a partir de 1965, resolveu o problema mas até esta existir chegou a ser problemática a falta de água quando o povoado atingiu quase três mil pessoas, em meados da década de 40.
No início do século XIX há descrições e considerações acerca da água, quantidade e qualidade. Foi o então Oficial do Real Corpo de Engenheiros, José Maria das Neves Costa, nascido em Carnide (atualmente pertencente a Lisboa) que fez o reconhecimento militar da fronteira do Nordeste Alentejano, a deixar um conjunto de memórias descritivas e uma carta topográfica pormenorizada que mesmo sendo trabalhos para o exército (Inspeção Geral das Fronteiras e Costas Marítimas do Reino). Apesar de ser realizado sob o ponto de vista do interesse militar, o trabalho documenta com preciosidade e minucia o que eram e que condições tinham os montalvanenses no início do século XIX. Em 1803 foi publicado o seguinte:
A descrição é fácil de interpretar embora haja algumas questões. Se no início do povoamento com os Cavaleiros da Ordem do Templo a água não era problema, pois seriam poucos os montalvanenses, em 1800, para cerca de mil habitantes já havia escassez no final do Verão pela utilização desde o final das últimas chuvas de Primavera com as nascentes a minguar à espera das primeiras chuvadas de Outono. A qualidade não era famosa, nem é, pois são nascentes em terreno de xisto. Longe da povoação há água com melhor qualidade, em terrenos de arcoses (areia e cascalho/ponedros) como na Charneca (a Salavessa beneficia desta água) e no Monte do Pombo (que foi povoação, beneficiando desta água) noutro núcleo de arcoses que tem água de boa qualidade para as «Cerejêras» e para a "Senhô Drumédes».
A Norte de Montalvão a água é mais abundante que a Sul. Pela fisionomia de Montalvão e histórico de crescimento dos arruamentos a vertente norte foi mais intensamente povoada - considerando que o eixo fundamental Rua do Outeiro - Praça - Rua Direita - Rua do Cabo - Corredoura - abastecia-se a Norte (mesmo localizando-se no topo do Monte) - daí o número de fontes ser superior. Em Montalvão, um poço se ficar num caminho público ou azinhaga é uma Fonte. Depois há as fontes com bica e os chafarizes que têm bica ou água tirada a caldeiro mas junto há uma pia para que os animais de maior porte - gado vacum, cavalar, muar e asinino - possam saciar a sede.
Para Norte
A norte de Montalvão ficam cinco das oito fontes (poços na via pública). A Fonte Cereja é a mais próxima (pouco mais) tendo melhor acesso por ser mais plano mas tem água salobra imprópria para beber ou cozinhar. Servia para lavagens e "dar de beber" aos animais. O grande sistema de fontes montalvanenses - quatro - ficava nas nascentes da ribeira da «Marí Neta» que teve diminuição de caudal à medida que o povoamento (e consumo de água na localidade) em Montalvão aumentou. Mais água retirada em profundidade, menos água para correr à superfície. Curiosamente estas quatro fontes tinham características diferentes - quantidade e qualidade da água - ainda que fossem todas muito próximas. Merecem um capítulo à parte, aliás dois: "As Três Fontes" e a "Barroca e Fonte de Mato».
Para Sul
A sul do povoado ficam três fontes das oito. Delas só resta uma - a Fonte Souriça - pois a Fonte Carreira e o Fontanhão foram tapadas depois de ser estabelecido o sistema de água canalizada. A água da Fonte Souriça não é própria para beber a não ser pelos animais. Mas merece destaque "por outros motivos". Aquando da construção e inauguração da "Escola Nova" (23 de janeiro de 1950: clicar) no «Burnáldine» não havendo água canalizada - só em 1966 - as raparigas que ocupavam o lado direito/norte do edifício iam abastecer a escola de água na Fonte Carreira, já os rapazes (lado esquerdo/sul) abasteciam a escola com água do Fontanhão. Colocar crianças no rebordo de poços era de uma inconsciência que nem pode ser considerada "naquele tempo era assim..." isto porque houve - pelo menos uma «catchópa» - que se indignou por obrigarem raparigas com menos de dez anos a "tirarem água a caldeiro" da Fonte Carreira, em cima do muro de pedra do poço, e pagou pela ousadia.
1. Chafariz de Santa Clara (com bica e duas pias, uma frontal para pessoas e a lateral para animais) |
Algo que causa alguma "estranheza" no levantamento efetuado, por José Maria das Neves Costa, é a não referência a duas nascentes que eram importantes - embora já longe do povoado - para quem tinha que fazer o percurso de ida e volta (este já com o peso da água em cima): o "Chafariz de Santa Clara" (a Norte) e a Fonte Judia (a Sul). Será que não existiam em 1800? Ou foram consideradas como menos utilizadas devido a ficarem longe, para quem "ia à Água" que eram geralmente «Catchópas» que faziam um enorme esforço para trazer água dos oito poços quanto mais de nascentes para lá do aceitável quando o percurso era pedestre e havia que equilibrar as «infusas» ou bilhas na cabeça?
2. Fonte Judia (cisterna com água retirada a caldeiro) é também uma das nascentes do Ribeiro de Ficalho |
A água era essencial e quanto mais crescia o povoado mais se notava a falta dela. Muitos poços em propriedades privadas foram sendo construídos tal como pedreiras. Esta é outra história. Aproveitar uma pequena nascente ou um nível freático mais superficial para abrir um espaço, em forma de meia lua, com parede do lado mais profundo.
O vai-e-vem todo o ano a caminho das «Fontes» era fundamental para ter as "infusas", bilhas e cântaros cheios. Comida e saciar a sede dependiam de ter água e da sua qualidade.
Próxima Paragem: Parte II - A Utilização
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