EM FINAL DOS ANOS 30 O TRANSPORTE DE PASSAGEIROS E MERCADORIA LIGEIRA (ENCOMENDAS) CHEGA A MONTALVÃO.
Num território muito isolado, pela rede hidrográfica conjugada com o solo com afloramentos rochosos de grande dimensão que dificultam a circulação dentro do vasto território quanto mais sair dele. A rede de caminhos - para pessoas e um animal sempre foi muito utilizada - para "carretas e carros de parelha" já menos e com muita dificuldade entre meados do Outono e outro tanto na Primavera. Mas havia ligações diretas para Castelo Branco (via Lomba da Barca para atravessar o rio Tejo), Cedilho (atravessando o rio Sever em alguns locais desde a confluência da ribeira de São João até à foz no rio Tejo), Castelo de Vide (via Póvoa e Meadas), Alpalhão (aproveitando uma fase plana do Ribeiro de Fivenco e da Ribeira de Nisa a montante destas) e Nisa (via ponte de pedra da Senhora da Graça, caminho onde se desenvolveu o Pé da Serra por ficar numa cumeada e na encruzilhada do caminho para a Salavessa e Montalvão). Mas foram as estradas (clicar) que permitiram que não fossem apenas os almocreves e os bufarinheiros a sair e entrar de Montalvão vindos de outras localidades ou os «riques» de Montalvão utilizando os seus cavalos e éguas.
(clicar em cima desta e de quase todas as imagens permite melhor visualização das mesmas)
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Apesar de ainda ser um mapa em que havia pouco rigor por não haver "triangulações geodésicas" que só em meados do século XIX foram usadas em Portugal não havia a estrada que há na atualidade bem como a ponte da mesma na ribeira de Nisa. A circulação entre Montalvão e Nisa fazia-se pela ponte de pedra da Senhora da Graça |
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A ponte de pedra sobre a ribeira de Nisa junto da Ermida de Nossa Senhora da Graça |
Coube a uma empresa de transportes de Portalegre a «Empresa de Viação Murta» começar a explorar comercialmente a norte da cidade, utilizando as estradas para ligar as localidades mais importantes. Os "Murtas" já tinham vasta experiência no transporte de passageiros quando estudaram a forma de ligar Portalegre com Montalvão e localidades próximas conseguindo paragens em cinco localidades com os autocarros de passageiros a pernoitar em Arez. Cada viagem ou percurso demorava cerca de três horas e meia, de manhã e outro tanto à tarde. Sete horas de trabalho para os empregados da «Empresa de Viação Murta». Havia a preocupação em fazer ligação - mesmo não direta - com percursos ferroviários na Linha do Leste por ligação ao Ramal de Cáceres (por Castelo de Vide) e ao Ramal de Portalegre (por Portalegre) pois «Os Murtas» iniciaram a atividade, em 1927, estabelecendo percursos com estas estações ferroviárias.
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Todos os dias, 365 ou 366 dias por ano. De manhã: partida de Montalvão pelas 08:33 horas chegando a Portalegre pelas 10:10 horas. Montalvão passou a estar a 37 minutos de Nisa, 17 minutos de Póvoa e Meadas, 42 minutos de Castelo de Vide, uma hora e sete minutos de Portagem e 1 hora e 37 de Portalegre. À tarde: saída de Montalvão às 18:32 horas para chegar a Arez pelas 19:25 horas. Nisa a 37 minutos e Arez a 53 minutos |
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Portalegre (10$00), Portagem (6$50), Arez (5$50), Castelo de Vide (5$00), Nisa (3$50) e Póvoa e Meadas (2$50). Havia o mais importante transportes mas só para quem tinha grande necessidade (não era "barato" para o que se ganhava à jorna nos Anos 40) e compensava largamente, em tempo, comodidade e gastos em comida para muito mais horas de viagem. Na «apanha da azêtona», em meados dos Anos 50, a jorna (diária) era de 5$00/6$00 para as «mulhés» e 8$00/10$00 para os «hómes». Os «riques» até eram os que pagavam menos. O meu avô materno - Ti Zé Caratana (carpinteiro) mas com cerca de mil oliveiras - tinha de contratar ajudantes pagando 6$00 e 9$00 ou 10$00 (para «catchópes» já adultos aos domingos) quando questionado, desta incongruência, respondia com o seu tom irónico: "Então porque é que achas que eles são ricos?" |
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Em cima: Internacional de 1935 (AD-42-37) com 33 lugares. O autocarro de passageiros (ou poderia ser outro semelhante) que fez a primeira viagem comercial a ontalvão, em 8 de maio de 1939. Em baixo: Ford de 1941 (EI-11-54) com 30 lugares
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Com base no mapa que existia em 1939 - embora algumas estradas já tivessem tido melhoramentos - o percurso entre Arez e Portalegre e vice-versa que consumia, respetivamente, duas horas de 35 minutos e duas horas e 25 minutos |
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10 de setembro de 1952. A placa da paragem da "Viação Murta" (assinalada a azul) na parede de um dos edifício, do lado esquerdo, de quem sobe a rua de São João, ou seja, no sentido do trânsito a descer, embora os autocarros de passageiros não passassem para lá deste local, ou seja, não subiam o Arrabalde. Chegada da comitiva oficial a Montalvão subindo a rua de São João para inaugurar as novas instalações da Casa do Povo, num edifício construído exclusivamente para tal, na antiga "Horta da Ramalhoa" na rua de São Pedro. Com a "Transportadora Setubalense" a paragem passaria para o lado contrário - do outro lado da rua, no sentido do trânsito a subir - embora paralela a esta |
Com a melhoria nas estradas e nos veículos além de encurtar horários foi possível gastando o mesmo tempo chegar a outras localidades. Por isso os "Murtas" estudaram possibilidades para chegar mais longe indo mais depressa tentando outra ligação com os caminhos de ferro - Linha da Beira Baixa, em Belver. Por dificuldades várias só quase 20 anos depois foi possível Montalvão ter ligação direta, com regularidade diária, a Belver.
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Do melhor que havia em Portugal nos Anos 50: Maudslay/AEC Regal IV com 42 lugares (GA-18-86) e Berliet com 33 lugares (IA-20-93) |
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O autocarro Daimler de 1954, com 43 lugares, que deve ter "visitado" Montalvão em alguma viagem até 1957 continuando depois desta data a transportar pessoas e "encomendas" pela «Transportadora Setubalense». A frota estava modernizada - quando comparada com os autocarros do inicio da «Empresa de Viação Murta» - como se comprova na imagem superior, com autocarros Magirus, Berliet e Maudslay |
A empresa desmoronou-se por morte de pai e filho num curto espaço de tempo, tendo a família decidido vender veículos e autorizações de exploração de percursos, para passageiros, a João Cândido Belo com a sua poderosa «Transportadora Setubalense» ("Os Belos") a adquirir a «Empresa de Viação Murta» em 1957. Mas isso é outra história.
Próxima Paragem (parte II): Transportadora Setubalense.
NOTA FINAL: Agradecimento a Luiz da Trindade Martins Murta e ao seu filho, Artur Pereira Martins Murta, donos da «Empresa de Viação Murta», pelo modo como permitiu quebrar o isolamento de pessoas e mercadorias em Montalvão possibilitando que este grande povoado e território a Norte do norte alentejano se ligasse ao Mundo. Obrigado.
O Grande carpinteiro Caratana não sabia apenas fazer carros de bois e carroças. Soube fazer também uma descendência muito erudita. Aqui, neste blogue, aprende-se história da boa!!!
ResponderEliminarIlustríssimo "descendente" de Viriatus Hermínus
EliminarO Enorme carpinteiro Ti Zé Caratana era um perfeccionista no mestrado da carpintaria. Era capaz de fazer uma carroça num mês e depois levar outro mês a aprimorar as invenções que fazia, tanto que a carroça dele conseguia ter um varal lateral para ser puxada por dois burros, além de ter um travão como se fosse - e era pois comprou um que desmontou - automóvel em vez do típico travão de manivela. Provavelmente era a única carroça no Mundo puxada - para não obrigar o "Ligeiro" a um esforço grande nas "Ladeiras", algo que em Montalvão é tão vulgar com a areia nos Desertos - colocava o "Redondo" do lado direito. Onde é que se viu dois burros a puxar uma carroça como se fosse um carro de parelha para dois muares. Mas era muito mais que José, o Carpinteiro. Era uma espécie de "Sóciofilósologo"! Um especialista em perceber, descodificar, entender, monitorizar e explicar os montalvanenses. Topava tiques, enfeites e absurdos a léguas, talvez anos-luz de distância. Obrigado pelas considerações que sei serem sinceras e valiosas