CASA QUE NÃO TIVESSE FITAS NA PORTA DA RUA ERA CASA ABANDONADA.
As fitas anti-mosquedo nas portas eram um clássico de Montalvão. E tal como as barras em torno das janelas, portas e empenas permitiu dar cor a uma aldeia branca.
Por isso estava-se sempre a mudar a cor das fitas de plástico, até porque era fácil (e não muito caro) alterar. As duas ripas horizontais que, entre elas, prendiam as fitas mantinham-se. Mudavam-se as fitas que nunca chegavam a velhas. As fitas também protegiam as portas de madeira, muitas vezes duas meias portas, da chuva (Inverno) e do calor (Verão). Havia ainda um outro efeito este, talvez, mais pessoal. Naqueles dias de calor abafado de Verão, mesmo com as portas fechadas, ouvir as fitas a bater umas nas outras baralhadas mesmo que por uma ligeira brisa de vento, o som que elas emitiam, provocava uma sensação tão agradável que até parecia fazer o calor ser menos penoso.
«Ó neto?! Tens que fazer um mandado (recado, em linguagem "grave", ou seja, à moda de outras terras)! Vai ao Xequim da Tróia ou à Xá Hermína e compra fitas diferentes destas azuis e brancas que já precisam de ser mudadas! Até porque as barras agora estão caiadas a azul!»
«Ó vó! E de que cor?»
«Não deve haver muitas diferentes. Escolhe umas que não sejam azuis, nem brancas!»
Adorei, pois as cores que menos gostava, por causa dos futebóis eram riscas azuis e brancas, além de fazerem lembrar os pijamas!
Na loja - já não me lembro qual - pasmei. Daquela vez havia tantas cores que a loja parecia ter um arco-íris dentro dela. Fiz as contas. A largura era sempre a mesma (já sabia de cor) pois levava 36 fitas.
«Quantas cores há?»
Riu-se (talvez por saber que se dizia ter sempre fitas das mesmas, e poucas, cores!): «Oito!»
«Quero seis cores, menos a branca e a azul. Seis fitas de cada uma das outras seis cores.»
Cheguei a casa e comecei a trabalhar. Tirar as fitas azuis e brancas e colocar as seis cores, inovando, duas a duas em vez de uma a uma. Duas vermelhas, duas pretas, duas verdes, duas amarelas, duas castanhas e duas violetas (não sei se foi esta a ordem, mas foram estas as cores). Repetindo a ordem mais duas vezes. Trinta e seis fitas. Coloquei os ganchos das ripas nos pregos do batente da porta e gostei.
O primeiro a chegar foi o meu avô. Espantado!
«Quem é que fez isto?»
«Fui eu!»
«A tua avó já viu?»
«Não!»
«E foi a tua avó que te disse para pores essas cores todas?»
«Não! Disse para escolher cores diferentes das azuis e brancas».
«Bom! Agora é esperar! Mas esta porta fica a parecer as comédias do senhor Costa lá na Praça!»
Pelo que se passou a seguir a minha avó não parece ter gostado... nem desgostado! No Verão seguinte já lá estavam as fitas azuis e brancas. Mas as barras de cal também já eram... ocre!
E assim se ia fazendo Montalvão...
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