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19 maio 2020

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Atrás dos Tempos, Tempos Vêm

19 maio 2020 0 Comentários
NADA SE PERDE TUDO SE TRANSFORMA.



A maior parte do território de Montalvão é hoje um espaço inóspito habitado por animais selvagens de grande porte com destaque para um herbívoro (veados e corças), um omnívoro (javalis e javalinas) e alguns carnívoros (águias, de várias espécies, entre elas a real) além de serpentes. É como um retorno às origens, quando a «Herdade da Açafa» foi cedida aos Cavaleiros da Ordem do Templo ou Templários, em 5 de julho de 1119.  Ao surgir Montalvão como povoado, em final do século XIII, houve um progressivo e lento desenvolvimento agrícola de todo o território que culminaria em meados do século XX com todos os recantos praticamente modificados pelos montalvanenses. Até as giestas e xaras escasseavam tal a necessidade de lenha para uso doméstico e para alimentar os fornos de onde se fazia o pão do dia-a-dia. No início da terceira década do século XXI tudo parece rapidamente regressar ao que era o território antes da intervenção dos montalvanenses. O trabalho minucioso e penoso de arrotear xarais e giestais durante seis séculos está em cem anos a desaparecer para voltar à Açafa selvagem.   



Algumas das áreas mais impressionantes, com modificação rápida e irreversível, são os triângulos entre a Salgueirinha, os Falquetões/Vale do Muchacho e a Lomba da Barca. E entre esta, o Monte do Pombo e a Salgueirinha. Terras de areia e ponedros, difíceis de arar com animais, tal a quantidade e dimensão de cascalho amarelo-torrado e acastanhado que são como que as gotas do suor solidificado de gerações de montalvanenses incluindo os meus antepassados diretos - com propriedades neste território do noroeste - que conseguiram domar terrenos que hoje, aos olharmos para eles, espanta-nos como o conseguiram fazer. Foi um esforço sobre-humano cultivar e manter oliveiras e sobreiros em condições de poderem dar o máximo para sustento das famílias.



Atualmente voltou a ser terra de animais selvagens de grande porte onde se assiste a uma luta diária pela sobrevivência dos mais fortes, entre xaras e giestas, com mais de dois metros de altura. Arbustos que encobrem árvores como as oliveiras que naqueles terrenos, sob aquelas condições, nunca puderam ser grandes em altura. Só generosas em azeitonas e azeite.



A Lomba da Barca e área envolvente voltou a ser território selvagem tal como no tempo em que foi ponto de passagem importante entre Castelo de Vide e Castelo Branco, entre este e Castelo de Vide, pois era neste local que se atravessava o rio Tejo, nos dias "em que a corrente deste rio, o maior e melhor veio aquífero central de superfície, na Península Ibérica" deixava o barqueiro manobrar a «Barca».



O crescimento demográfico e a consequente necessidade de obter alimentos para dar sustento às famílias permitiu que se fizesse agricultura em espaços sem qualquer capacidade de uso agrícola dos solos. Conseguiram-se plantar olivais (Ol) nos pequenos cabeços, erguer montados de sobro (Sb) e azinho (Az) nas suaves vertentes. Nos pequenos vales junto às linhas de água - barrancos, regatos, ribeiros e ribeiras - deu-se espaço a algumas culturas arvenses de sequeiro (Ca): searas, raramente de trigo, mais cevada e centeio ou aveia. Apesar do esforço em cultivar todo o espaço, mesmo o que não tinha qualquer aptidão agrícola, apenas os declives mais íngremes, a ladear cursos de água no fundo de vales estreitos, ficaram incultos (Ic). Só a força da gravidade - perigo de queda - conseguiu superar a capacidade dos montalvanenses em domar a totalidade do território no noroeste.  


Carta Agrícola e Florestal de Portugal/Folhas n.º 314/315 (excertos) na escala 1/25 000; Serviço de Reconhecimento e de Ordenamento Agrário; Secretaria de Estado da Agricultura; Ministério da Economia; publicada em 1967 (Reconhecimento de Campo (1951 a 1953) - Atualização: 1966)

A incapacidade do tipo de solos, relevo e clima permitiu que fossem necessários seis séculos para conseguir melhorar, de forma engenhosa, os sistemas agrários adaptando as pessoas aos terrenos e modelando o território. Após tanto esforço e dedicação, por necessidade, durante dezenas de gerações, sem intervenção humana tudo rapidamente se desfez em pouco tempo. Foram necessários seis séculos para tirar algum rendimento (pouco de uma escassez infra-humana, embora todo o espaço disponível tivesse que ser utilizado mesmo exigindo esforço gigantesco) mas um século chegará para encobrir e desfazer o que levou seis séculos a fazer. 



1. Em terrenos de arcoses e cascalheiras - areia, cascalho e ponedros - as linhas de água moldaram durante milhões de anos um território inóspito onde as espécies selvagens se adaptaram, sendo «donas e senhores» de um espaço que modelaram, reinando nos céus e na terra. 


Carta Militar de Portugal/Folhas n.º 314/315 (excertos) na escala 1/25 000; Serviços Cartográficos do Exército; publicada em 1950 (trabalhos de campo em 1946)

2. A origem geológica e fisionomia dos solos dão ao noroeste montalvanense características bem distintas dos terrenos de xisto cinzento/acastanhado barrento e grauvaques onde está implantada a principal povoação deste vasto território: Montalvão.



3. Com o povoamento humano empreendido pelos Templários, implantou-se uma via de comunicação importante (Castelo de Vide/Castelo Branco/Castelo de Vide). O troço entre a Ermida de Nossa Senhora dos Remédios e a Lomba da Barca, teve traçado entre giestais e xarais/estevais com a fixação de população numa área generosa em água, o Monte do Pombo.



4. Esse lugarejo de «Monte do Pombo» - que merecerá um texto próprio neste blogue num Futuro próximo - tinha no ano de 1758, treze casas e 50 habitantes, 33 maiores e 17 menores (menos de 21 anos). Mas chegou às duas dezenas de habitações e sessenta pessoas, no século XIX, despovoando-se, completamente, com habitação permanente, em finais dos Anos 50. No final dos Anos 70 foi totalmente abandonado. A problemática deslocação (maus acessos, impossibilidade em estados de tempo agreste e longas horas de viagem) entre Montalvão e o seu território do noroeste - mesmo que fossem grandes as dificuldades em obter escasso rendimento agrícola - obrigavam a que a fixação de população fosse permanente.



5. Depois dos xarais e giestais que se desenvolveram durante milénios, depois de ser caminho privilegiado entre o Alentejo e a Beira Baixa, esta e o Alentejo (pela Lomba da Barca), conseguiu-se num esforço gigantesco arrotear campos impróprios, implantando oliveiras (nos cabeços), quercus: sobreiros e azinheiras (nas encostas) e searas, nos apertados vales.



6. «Depois de tantos depois», a desertificação agrícola, êxodo rural e envelhecimento populacional fez, rapidamente, regressar o noroeste montalvanense às origens. E não está pior...

Assim se foi fazendo Montalvão...
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