Todas as casas? Nem todas! Mas não houve edifício familiar construído antes dos Anos 60 que não tivesse sido local de, pelo menos, um parto. E os prédios mais antigos foram maternidades em mais de 40 nascimentos de montalvanenses. Quando olhamos, da rua, para uma casa que tenha mais de 70 anos, estamos a olhar para um local onde nasceram montalvanenses.
Houve anos em que nasceram mais de 60 crianças, ou seja, em média um parto a cada semana. Os choros dos bébés ecoavam um pouco por toda a localidade. Umas vezes na rua da Costa, depois na Corredoura, na rua Direita, na do Ferro, na rua da Barca, depois na de São Pedro, Arrabalde, Arneiro ou Outeiro, todas tiveram partos anualmente. Toda a aldeia era uma maternidade gigantesca, não dividida por quartos, mas por casas. Casas de habitação, berços de pedra.
Todas as casas de Montalvão têm história
Muitas estórias diárias em cada edifício habitado que todos juntos - desde que começaram a ser habitados até à atualidade - completam a História de cada uma das casas familiares montalvanenses. E a história de todas elas, no seu conjunto, é uma parte significativa da História de Montalvão. Para a completar restam as estórias que se passaram nos terrenos agrícolas que constituem a freguesia. A junção das histórias - a da localidade, outros locais com habitação e o espaço rural envolvente que suportava a vida dos montalvanenses - são a «História Total de Montalvão».
Berços de Pedra
A história completa de cada casa já não é possível fazer - pelo menos com os meios existentes na atualidade - mas ainda se consegue fazer a história de algumas delas. Só consigo fazer a história de uma. Outros conseguirão fazer de outras casas. A história que vou escrever é acerca de um edifício - por que só consigo contar com rigor a "vida" desta casa - mas é como se contasse a história de todas as outras. Ao contar a história desta é uma forma de homenagear todas as outras, pois todas tiveram dentro delas estórias idênticas, variando a dimensão, formato de cada uma, bem como as datas e números a elas associados.
O prédio construído num quintal, com serventia pela rua das Almas, de uma casa com entrada pela rua do Ferro. Nesta casa da rua das Almas nasceram quatro montalvanenses, entre 1938 e 1960 |
Um «Berço de Pedra»
Na rua das Almas. É a história do prédio da imagem que está por cima que consigo contar. E é esta que vou escrever. Foi construída no início da década de 30 para um casal que contraiu matrimónio, na Igreja Matriz, em 20 de agosto de 1930. Esta casa foi feita no quintal de outra casa. De um prédio no gaveto entre a rua do Ferro e a rua das Almas. Este edifício tinha um quintal com serventia pela rua das Almas.
Mais um «Berço de Pedra»
Quando a filha mais velha dos donos deste edifício de gaveto se casou foi construída uma casa no quintal desse prédio para o recém-casal fazer a sua vida. Nesta casa, feita no quintal de outra, nasceram quatro montalvanenses, entre 1938 e 1960. A curiosidade é que o último montalvanense a nascer nesta casa, em 1960, era filho da primeira montalvanense a nascer, em 1938, no prédio feito num quintal de outra casa. De permeio nasceram mais dois montalvanenses, ambos no década de 40, mas isso é outra história.
A casa de gaveto entre a rua do Ferro e a rua das Almas que tinha um quintal com serventia para a rua das Almas onde se ergueu mais uma casa na primeira metade da década de 30 |
Dois montalvanenses
Em 20 de agosto de 1930 casaram-se dois montalvanenses. Como era habitual em Montalvão, o esposo era mais velho e a esposa mais nova. O casal teria depois cinco filhos, oito netos e 15 bisnetos. A vida foi feita à volta do rendimento de uma carpintaria, pois o Ti Zé Caratana era carpinteiro. Ele nasceu, pelas 14 horas, em 28 de novembro de 1905, sendo batizado em 11 de fevereiro de 1906. A esposa, filha mais velha dos donos da casa e quintal onde foi construída outra casa, nasceu pelas quatro horas da manhã, em 24 de fevereiro de 1910, com batizado a 26 de maio de 1910. Ele o 9.º batizado em 1906, ela o 28.º batizado em 1910. Vinte e oito batizados e ainda o ano de 1910 não ia a meio. Nasceram 63 crianças, em 1910, entre Montalvão, Salavessa, Santo André e Monte do Pombo. Poucas sobreviveram até aos dois anos.
(clicar em cima desta e de quase todas as imagens permite melhor visualização das mesmas)
Um casamento
Em 20 de agosto de 1930 consumou-se o casamento. O noivo com 24 anos e a noiva com 20 anos. Batizados e casamento na linda Igreja Matriz, por onde passava a vida de todos os montalvanenses. Velados em casa depois de morrerem, também por lá passaram na última viagem a caminho de cemitério onde repousam.
Uma família
Depois do casamento e até que o edifício erguido no quintal da rua das Almas estivesse concluído nasceram os dois primeiros filhos. O mais velho na rua da Barca e o seguinte no prédio de gaveto, com entrada pela da rua do Ferro já no quintal se erguia, lenta mas em definitivo, a futura casa do casal com o carpinteiro a ter oficina, também, na rua das Almas.
O terceiro filho - primeira filha - já nasceu na nova casa da rua das Almas, em 11 de novembro de 1938, tal como o quarto - segunda filha - e o quinto - terceiro rapaz, infelizmente já uma estrela no firmamento sobre Montalvão. Depois passariam quase duas décadas até que este edifício voltasse a ser berço. O primeiro neto nasceu na rua de São Pedro, o segundo - filho mais velho da filha nascida em 1938 - nasceu na mesma casa, em 21 de outubro de 1960. O terceiro neto nasceu na rua de São Pedro e os restantes cinco nasceram noutras ruas e cidades. Foram quatro os nascimentos, entre 1938 e 1960. Em 21 anos e onze meses a "Casa da rua das Almas" foi quatro vezes maternidade. E por aí ficou. Quatro nascimentos lhe deram história. Por quatro se ficou, um edifício que ainda nem 90 anos tem. Mas em Montalvão há edifícios com muitos mais nascimentos que apenas quatro, pois há casas com mais de 200 anos e construídas em locais onde há prédios que foram sendo melhorados durante 700 anos! Uma eternidade.
É assim Montalvão. Um choro na Corredoura, outro no Arrabalde, um na rua das Almas e outro do princípio da rua de São João. Mais ainda na maior das ruas, a Direita, com a do Outeiro de um lado e a do Cabo do outro. Repetindo-se em sete séculos. Em todas as casas de chorou ao nascer e fez festa por haver mais um filho.
Foi tempo que existiu, que acabou, mas a memória, enquanto existir um montalvanense, jamais apagará!
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