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22 dezembro 2019

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Ode ao Redondo

22 dezembro 2019 0 Comentários
O REDONDO É UM BURRO.



Mas não é um burro qualquer
Foi o meu burro, é o meu burro
Até para comer bem colhia-lhe um malmequer

Também não era todo meu
Tinha-o por empréstimo parte do ano
Era meu nos meses de Verão, é meu
Em mim confiava para cuidar dele o seu amo

Quando me via passado quase um ano
Arrebitava as orelhas guinando-as, juntas
Não gostava que nelas tocassem
Gostava, sim, de cócegas entre elas, na testa
Em meados de junho de cada ano era uma festa


Estava o Redondo destinado ao trabalho
De uma qualquer tapada
Para um curral que era plural
Tanto podia ser no Lagar como no Pontão
Em dias quentes e secos podia alterar  
Ficava em liberdade, mas peado, ao Luar

Do Monte Pombo para a rua das Almas
Pela azinhaga do Level
Da Fonte Cereja para o Lagar
Pela rua de Ferro
Carregado, a sacas, nas angarelas, devagar
Cansado, para ser preso, na argola de ferro
Descarregava para a Casa ou o Lagar 
Descarregar, carregar, descarregar
O Redondo viveu destinado ao trabalho

Da Charneca para o Lagar
Garboso quando o trato era puxar carroça
Esticava o corpo forte e trabalhado
Entre o trabalho feito e o descanso
Carregar, descarregar, carregar
Touriles a subir, Corredoura fora, Azinhaga abaixo
Descarregar, carregar, descarregar
O Redondo viveu destinado ao trabalho

Do Lamaceiro para o Pontão
Atalho para encurtar canseira
Que pela azinhaga dava menos carreiros
Num dia da seca trovoada costumeira
Um raio fulmina o sobreiro
Tudo sobressaltado, sim
Menos ele, sereno e à espera de seguir
Aquele Mundo não era o dele
O trabalho, sim

Da Cereijeira para a rua de São Pedro
Poucas vezes o fez
Arreata presa na argola
Sacas à porta, esperar decisões
De pé, ferraduras no ponedro
Descarregar, carregar, descarregar
O Redondo viveu destinado ao trabalho

Levantar, escovar, limpar
Cilha, argola, arroche e ajuste
Preparar para albardar
É o que faz ter vida para trabalhar
Cabresto, arreata e firmeza
Pronto para mais uma viagem
É o que faz ser vida para trabalhar

Em dias quentes e de desconforto
Espojava-se numa nuvem de pó
Quando me via levantava-se
Sentia que sujo de pó
Sujaria quem, depois, mais ninguém teria dó
Talvez eu não o tivesse visto no meio do pó! 

Uma vez
Das raras vezes que foi à argola
Da casa na rua de São Pedro
Chovia a cântaros e ninguém em casa
Tive pena e tentei levá-lo para dentro da sala
Recusou, especou e não entrou
Sentiu que quem estava errado era eu
Se tem entrado e depois fosse visto
Quem levava a tareia era eu
 
Sempre que fez mal
Nunca foi por ser mau
Nem ele o queria
Foi para me mostrar
A sorte que tinha em o ter a ele
E como o sabia demonstrar 
Outro burro, sim, seria mau
Ele só estava a mostrar o bem que me queria

Depois teve que desaparecer
Mudou de dono
Nunca deixou de ser o meu burro
Mas não podia deixar Montalvão
Abandonar os ponedros
E estacionar no jardim da Graça
Ficar em Lisboa seria a sua desgraça

Melhor foi andar à palha
Que roçar flores
E dar coices em curiosos
Que ele não era para jogar à malha

Teria, agora, uns sessenta anos
Tem sessenta anos
O Redondo nunca morreu
A memória dele faz parte de mim
O burro está visto, sobreviveu
O Redondo viverá dentro de mim
Enquanto eu viver


Ode é Elogio



Ode ao Redondo

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