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09 maio 2020

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Fitas

09 maio 2020 0 Comentários
CASA QUE NÃO TIVESSE FITAS NA PORTA DA RUA ERA CASA ABANDONADA.



As fitas anti-mosquedo nas portas eram um clássico de Montalvão. E tal como as barras em torno das janelas, portas e empenas permitiu dar cor a uma aldeia branca.

Por isso estava-se sempre a mudar a cor das fitas de plástico, até porque era fácil (e não muito caro) alterar. As duas ripas horizontais que, entre elas, prendiam as fitas mantinham-se. Mudavam-se as fitas que nunca chegavam a velhas. As fitas também protegiam as portas de madeira, muitas vezes duas meias portas, da chuva (Inverno) e do calor (Verão). Havia ainda um outro efeito este, talvez, mais pessoal. Naqueles dias de calor abafado de Verão, mesmo com as portas fechadas, ouvir as fitas a bater umas nas outras baralhadas mesmo que por uma ligeira brisa de vento, o som que elas emitiam, provocava uma sensação tão agradável que até parecia fazer o calor ser menos penoso.



«Ó neto?! Tens que fazer um mandado (recado, em linguagem "grave", ou seja, à moda de outras terras)! Vai ao Xequim da Tróia ou à Xá Hermína e compra fitas diferentes destas azuis e brancas que já precisam de ser mudadas! Até porque as barras agora estão caiadas a azul!»

«Ó vó! E de que cor?»

«Não deve haver muitas diferentes. Escolhe umas que não sejam azuis, nem brancas!» 

Adorei, pois as cores que menos gostava, por causa dos futebóis eram riscas azuis e brancas, além de fazerem lembrar os pijamas!



Na loja - já não me lembro qual - pasmei. Daquela vez havia tantas cores que a loja parecia ter um arco-íris dentro dela. Fiz as contas. A largura era sempre a mesma (já sabia de cor) pois levava 36 fitas. 

«Quantas cores há?»

Riu-se (talvez por saber que se dizia ter sempre fitas das mesmas, e poucas, cores!): «Oito!»

«Quero seis cores, menos a branca e a azul. Seis fitas de cada uma das outras seis cores.»

Cheguei a casa e comecei a trabalhar. Tirar as fitas azuis e brancas e colocar as seis cores, inovando, duas a duas em vez de uma a uma. Duas vermelhas, duas pretas, duas verdes, duas amarelas, duas castanhas e duas violetas (não sei se foi esta a ordem, mas foram estas as cores). Repetindo a ordem mais duas vezes. Trinta e seis fitas. Coloquei os ganchos das ripas nos pregos do batente da porta e gostei.

O primeiro a chegar foi o meu avô. Espantado! 

«Quem é que fez isto?»

«Fui eu!»

«A tua avó já viu?»

«Não!»

«E foi a tua avó que te disse para pores essas cores todas?»

«Não! Disse para escolher cores diferentes das azuis e brancas».

«Bom! Agora é esperar! Mas esta porta fica a parecer as comédias do senhor Costa lá na Praça!»

Pelo que se passou a seguir a minha avó não parece ter gostado... nem desgostado! No Verão seguinte já lá estavam as fitas azuis e brancas. Mas as barras de cal também já eram... ocre!

E assim se ia fazendo Montalvão...


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06 maio 2020

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As Salsicheiras

06 maio 2020 0 Comentários
HOUVE DEZENAS DE SALSICHEIRAS EM SETE SÉCULOS MONTALVANENSES.




No auge demográfico e social de Montalvão no século XX (Anos 40 e 50), houve a Xá Jula na Praça, a Ti Fegénia na rua do Outeiro, a Xá Hermína na rua Direita a chegar à do Cabo e a Xá Rebéta na rua de Sam Pedro.




Não era fácil, até meados do século XX ser proprietário de um porco e criá-lo. Não tanto, mas também, em conseguir diariamente a ração de comida («vienda» em montalvanês). Mas a principal dificuldade era ter um espaço de terreno afastado da aldeia mas logo nos arredores para fazer uma furda de modo a poder ir, pelo menos duas vezes por dia, alimentá-lo. Se a casa tivesse um quintal grande até era possível uma furda, mas eram raríssimas as casas com um quintal suficientemente adequado para poder fazer uma furda sem incomodar os vizinhos com o cheiro e dejetos poluidores e lamacentos que os porcos produzem abundantemente. Ora não havendo porco, não havia matança, não havendo matança, não havia enchidos. 


O "ritual" da matança: apanhar e levar o porco para a banca, enrolar uma corda no focinho (para não morder), dar o golpe fatal do pescoço ao coração, queimar os pêlos com carqueja, raspar a pele, pendurar o porco, ser desmanchado no «tchimbarilho» e depois fazer os enchidos típicos de Montalvão merecem em destaque à parte num destes dias, num Futuro próximo

Se poucas famílias tinham porco, poucas tinham enchidos para o dia-a-dia. Mas os enchidos faziam muita falta para condutomerenda para o campo» ou «acompanhamento da refeição» em linguagem grave) não os podendo ter havia que os comprar. Onde? Nas salsicharias (charcutarias em linguagem grave). Em Montalvão, mesmo no auge demográfico dos Anos 40 para 50 as quatro salsicharias chegavam pois o dinheiro escasseava. 

(clicar em cima desta e de quase todas as imagens permite melhor visualização das mesmas)



Havia até duas salsicharias que eram "mistas": a da Xá Hermínia também era loja que vendia um pouco de tudo e a da Xá Júla era também açougue (vendia carne fresca de outros animais: borregos, ovelhas, cabras e chibos). 



As salsicharias vendiam essencialmente carne de porco em enchidos, mas alguma - pouca - carne fresca de porco. Um dia destes há que falar isoladamente da vida montalvanense de cada um destes animais que bem o merecem: juntado-lhes as galinhas e os coelhos. E porque não o gado muar, asnino e cavalar. Além das vacas.



Apenas conheci duas salsicharias - era bilingue pois fora de Montalvão eram charcutarias - a da Xá Hermínia e a da Xá Roberta. Curiosamente não me lembro de fazer mandados/mandédes (recados em linguagem grave) à loja da Xá Hermínia para comprar enchidos, mas sim para algum produto alimentar, para coser ou fitas de plástico coloridas para pôr nas portas da rua afastando o mosquedo. Lembro-me de ir fazer compras de uns chouriços, linguiças ou as malfadadas farinheiras à loja da Xá Roberta pois ficava quase em frente, mas um pouco mais para oeste da casa dos meus avós maternos na rua de São Pedro. A Xá Rebéta herdou três qualidades da sua avó materna: o nome (eram as duas Robertas); o oficio e habilidade (a avó dela também tinha uma salsicharia, embora na rua Direita, que não conta para este rol pois funcionou nos Anos 10 até aos Anos 30, e aqui escreve-se acerca dos Anos 40 e 50); e a capacidade de enfrentar as adversidades que a vida lhe pregou. Ficou viúva muito nova, pouco mais de 20 anos, e teve que lidar com um acidente que limitou a habilidade manual do seu filho único. Nunca desmoreceu e pode ser vista como um dos exemplos do que são capazes as mulheres montalvanenses perante os escolhos que a vida lhes vai colocando no caminho. Uma mulher com M grande, de mulher e de Montalvão. Um éme a dobrar.


A avó Roberta (também enviuvou e teve continuar a cuidar da salsicharia e ir amparando os quatro filhos, embora já casados, dois rapazes e duas raparigas, uma delas mãe da Roberta) tinha uma salsicharia na rua Direita com quintal atrás como quase todas as casas da rua Direita e as das extremidades desta, do Cabo para Oeste e do Outeiro para Leste.



Esta (imagem acima) era a salsicharia, na rua Direita, da avó Roberta da Xá Rebéta. No quintal desta casa da rua Direita fez-se outra casa, esta para a rua de São Pedro. Uma casa com varanda no primeiro piso. Pois é! Quase em frente a esta casa, do outro lado da rua de São Pedro, ficava a salsicharia da Xá Rebéta. 


A curiosidade é que, nesta rua de São Pedro, se deste lado vivia um tio (pelo lado da avó materna) da Xá Rebéta do outro lado era a salsicharia dela que vivia com a mãe Joana, ou seja, irmão do tio que viveu desde final dos Anos 60 nesta casa... até nela morrer, em meados dos Anos 70, e ser velado.

Próxima "paragem": Os Latoeiros
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04 maio 2020

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Ciclo do Sobreiro III

04 maio 2020 0 Comentários
O SOBREIRO ERA A ÁRVORE-VIRTUOSA DOS MONTALVANENSES.



Planta magnífica esteve no imaginário dos montalvanenses durante séculos. 




Chegou ao território atual da freguesia de Montalvão muito antes deste existir como povoado - até mesmo haver atividade pré-histórica no território da atual freguesia - pois é uma espécie autóctone (natural deste clima e solos desde que há flora no Planeta). 


Adaptação do portal "Brigada da Floresta" (clicar) e "Guia Ilustrado de 25 árvores de Lisboa" (clicar)

Com a actividade humana foi ocupando a maior parte dos terrenos da freguesia longe do povoado substituído por oliveiras/olivais nas propriedades junto de Montalvão. Entre tapadas e herdades o sobreiro é a Árvore-Rei. Se há mais exemplares de oliveiras - estas podem coexistir juntas, estão alinhadas e mais próximo umas das outras fazendo dos olivais núcleos contínuos - o Montado ocupa vastas áreas com os sobreiros dispersos, afastados mas "espraiando-se" por inúmeros quilómetros quadrados. 






O Sobreiro é tão virtuoso que tudo dele se aproveita.

1. A sua frondosa sombra e proteção todo o ano destaque para a frescura do Verão, pois a folha é persistente renovando-se pela idade e não pela estação do ano;


2. A casca (cortiça) retirada a cada nove anos, no Verão, depois do sobreiro atingir os 25 anos. Boa fonte de rendimento, ainda permite fazer utensílios para alimentação naqueles nós nos troncos que tão jeito fazem para transportar conduto, beber água ou fazer um gaspacho gaspatche» em montalvanês);


3. Os frutos (lande) boa fonte de alimento para o gado porcino (porcos e javalis) imprópria para consumo humano devido à sua amargura;


4. A madeira é muito dura e compacta para ser trabalhada, mas é de excelência, desfeita em "cavacas" para ser queimada como aquecimento ou para cozinhar. O Ti Zé Caratana (principal carpinteiro de Montalvão, ou como ele "justificava", teria de ser carpinteiro ou não se chamasse José, como José era o carpinteiro pai de Cristo) utilizava um robusto tronco achatado de sobreiro para fazer de cadeira e banca de trabalho. 

Considerado o sobreiro mais velho de Portugal com 235 anos

Este blogue irá acompanhar o "Ciclo do Sobreiro" com quatro publicações por ano, utilizando um nobre sobreiro de Montalvão.

A. Verão - Início da frutificação e crescimento da lande. Descortiçamento (publicado em 3 de agosto de 2019);



Aproveitando as elevadas temperaturas de Verão - quanto mais elevadas, menos sofre o sobreiro - é a época de retirar a cortiça. Empilha-se na propriedade onde é retirada das árvores, deposita-se para secar, pesar menos (perdendo líquido) para depois facilitar o transporte.



B. Outono - Amadurecimento e apanha da lande (publicado em 30 de dezembro de 2019);

A Lande bem diferente em tamanho (mais pequenas), sabor (mais amargas) e utilização (para alimentação dos porcos) em relação às bolotas das azinheiras

C. Inverno - Inflorescências e floramentos que polinizados darão a lande do novo ano. As folhas tenras e comestíveis que cresceram nos últimos meses desde que os dias têm também crescido, ou seja, desde o Solstício de Inverno (publicado em 4 de maio de 2020);











D. Primavera - A pequena e verde lande a crescer (a publicar em 30 de maio de 2020). Ficando em definitivo como texto permanente neste blogue. 


A primeira cortiça é a "falca" (aos 25 anos) depois da "secundeira" (aos 34 anos) e finalmente a cortiça (aos 43 anos). Dependendo da qualidade e espessura dos ramos do sobreiro vai-se sempre retirando "falca" e "secundeira" em direção ao topo da copa. Se um sobreiro durar cerca de 200/220 anos foi-lhe retirada cortiça 23/24 vezes.




Uma homenagem à Árvore que deu trabalho a milhares de montalvanenses durante 700 anos. E matou a sede a outros tantos.


Quem é que não gosta de levar o farnel num tarro («ferrado» em montalvanês) ou beber num couche («coutche» 
em montalvanês)? Beber como os deuses!













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