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09 fevereiro 2020

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As Parteiras

09 fevereiro 2020 0 Comentários
HOUVE DEZENAS DE PARTEIRAS EM SETE SÉCULOS MONTALVANENSES.



No auge demográfico e social de Montalvão no século XX (Anos 40 e 50), houve a Xá Marí Emília na rua do Arneiro, a Xá Amálha na "Serventia" e a Xá Isabel Teresa no largo da Igreja.


Nos Anos 50 as duas parteiras com mais atividade eram a Xá Amálha (Amália para os que falavam "grave" à Lisboa ou Coimbra) e a Xá Isabel Teresa, mas antes delas há memória da Xá Marí Emília que foi a principal parteira nos Anos 30 e 40 e antes desta outras. E antes destas outras ainda muitas outras recuando até à fundação de Montalvão pois uma localidade não pode existir sem parteiras ou com alguém, que aquando de um final de gravidez, faça nascer os montalvanenses. E depois, da Xá Amálha e da Xá Isabel Teresa, houve a Xá Tomásia Carrilho, filha da Xá Marí Emília, que deve ter sido a última parteira montalvanense, já entre final dos Anos 50 e meados dos Anos 60, quando o forno de que cuidava caiu em desuso com a chegada da energia elétrica (1948) e o estabelecimento das padarias e fornos elétricos. Coube a ela seguir os passos da mãe (Xá Marí Emília) e assegurar os partos quando a Xá Amálha e a Xá Isabel Teresa já não tinham condições físicas, apesar de um acumular incalculável de experiência, para realizar partos com a mestria que a velhice não deixa ter eficácia. Mulheres analfabetas sabiam bem o que fazer e como resolver. Não sabiam ler e escrever mas tinham uma cultura ímpar naquilo que faziam, por isso faziam bem. 


(clicar em cima desta e de quase todas as imagens permite melhor visualização das mesmas)

Muitas crianças colocaram elas no Mundo. Foram as parteiras, ao permitir os nascimentos, que fizeram renascer Montalvão. Foi por elas que Montalvão teve continuidade desde o século XII. Foi por elas que Montalvão ainda teve partos nos Anos 60. A seguir, com o desenvolvimento dos transportes e a necessidade de haver condições para poder resolver situações delicadas passou tudo para o Hospital de Nisa e depois para Portalegre.



Consta que poucas crianças morreram nas suas mãos. Passado um dia, dois dias, uma semana, um mês ou um ano muitas crianças morriam. Elas foram parteiras no tempo em que nasciam mais de 60 crianças por ano em Montalvão. Poucas ficaram nas suas mãos. A taxa de mortalidade infantil era terrível, em Montalvão, como em todo o interior de Portugal, até aos Anos 60. Em Montalvão, nas décadas de 40 e 50, morriam em média, durante o primeiro ano de vida, cerca de quatro crianças por cada cem que nasciam.



Parto
Quando chegava a hora do parto, alguém da família contactava a parteira que estava apalavrada e esta dirigia-se para o quarto onde estava a parturiente. Chegada a hora, ficavam no quarto apenas quatro mulheres: a que ia ser mãe, as duas que iam ser avós (mãe e sogra) e a parteira. Era assim. Tudo tinha que correr bem. Se corresse mal as parteiras tratavam de tudo para tentar que o parto corresse bem!



Mesada
As parteiras não faziam só nascer as crianças, também cuidavam delas e de tudo o que as envolvia - até lavar a roupa - durante o primeiro mês de vida. E a troco de quê? De quase nada. Cada família pagava-lhes como podia. O acerto era pagar "quase nada". Muito trabalharam elas. Muito se esforçaram. Davam vida e tiveram tão pouca vida. Tiveram a que se podia ter numa povoação com rendimentos escassos.



Batizado
Praticamente um mês depois do nascimento, logo nas primeiras saídas dos bébés à rua, já estava aprazado o dia do batismo na Igreja Matriz. Nesse dia era a Parteira que tinha cuidado da criança que a levava ao colo (conhecia-a melhor do que a mãe...) seguindo para a Igreja Matriz, acompanhada pelo padrinho e madrinha da criança, pais, familiares e convidados. O padrinho e a madrinha eram, em regra, repartidos pelo lado materno e paterno. Se fosse rapaz era o padrinho que escolhia o nome. Se fosse rapariga era a madrinha. Geralmente de acordo com os pais, mas nem sempre. Eu sou o melhor exemplo. A minha mãe queria que me chamasse Amadeu mas o meu padrinho (aliás o pai pois o meu padrinho nem cinco anos tinha quando me batizei) teimou que seria Alberto e Alberto fiquei. 



Celebração
Se fosse rapaz era o padrinho e se fosse rapariga era a madrinha a levar o "Goumil" com água (jarra de vidro com bica) deitando sobre a cabeça do bébé a água na pia batismal. Celebrado o ato fazia-se o registo com o cortejo a regressar a casa dos pais acompanhados, também, pelo pároco. Durante o percurso de regresso, os padrinhos e pessoas amigas iam atirando amêndoas e confeitos da ocasião para os lados e para as janelas que ficavam no percurso. Das janelas as pessoas mais chegadas à família, também lançavam amêndoas, rebuçados e outros confeitos misturados com pétalas de flores várias. Os garotos, para os apanharem, metiam-se por todos os lados, empurravam inebriados pela generosidade do dia, caíam de uma assentada, levantavam-se num ápice embaraçando o andamento do cortejo, pelo que iam levando o seu cachação (palmada na nuca) à mistura com a doçaria caída do céu!
Da janela ou da porta da casa, os padrinhos atiravam à rua punhados de fruta da época, como maçãs, castanhas, pêras, nozes, passas de uva e figo, etecetra, que continuavam a ser disputadas pelos catchôpús e catchópas (crianças em montalvanês) e mesmo por pessoas crescidas que não resistiam à tentação e era também uma forma de celebrarem o dia do batizado de mais um montalvanense.
Quando chegava a hora da refeição - almoço se o batizado fosse de manhã ou jantar se o batizado fosse de tarde - rumavam todos à mesa fazendo honras ao cerimonial, desde roupas aos petiscos, honrando um dia com tanto significado, numa festa que se queria alegre e memorável. Acabara de nascer mais um cristão.



A Minha Parteira
Apesar da minha bisavó paterna pelo seu lado materno, a Xá Isabel Teresa, ser Parteira, quando nasci já não tinha idade para assistir a partos e fazer nascer montalvanenses. Mas fez nascer centenas para a vida durante a sua vida. A "minha parteira" foi a Xá Tomásia Carrilho. Naquele dia, na rua das Almas, tudo correu de feição. Quando era criança e acompanhava a minha mãe, lembro-me de esta me dizer. Olha, vem ali ou está ali a senhora que te fez nascer! Eu quando passava pela Xá Tomásia Carrilho curvava-me, num gesto irreflectido, espontâneo, fazendo como que uma vénia. Agora quando penso nisso, talvez o tivesse feito - e fiz bem uma dúzia de vezes - num misto de agradecimento e reconhecimento. Não por mim, seria dar importância desmedida ao meu nascimento, mas por ela. Se estava ali foi porque ela tinha sido competente quando foi chamada a ser competente. Tinham confiado nela e ela soube estar à altura do que lhe era pedido e exigido. Só posso agradecer. 

Obrigado, Xá Tomásia Carrilho.


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