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07 janeiro 2020

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Os Ferradores

07 janeiro 2020 0 Comentários
HOUVE DEZENAS DE FERRADORES EM SETE SÉCULOS MONTALVANENSES.



No auge demográfico e social de Montalvão no século XX (Anos 40 e 50), houve o Ti António na rua as Almas, o Ti Demingues Tincótinco entre o largo da Igreja e a rua da Barca e o Ti Demingues Ferrador na rua de São Pedro. Havia até quem improvisasse de ferrador (quando corria mal um dos Ferradores tinha uma urgência a resolver), mas estes três ferradores de meados do século XX tinham como principal rendimento, para viver uma vida, a tarefa de ferrar animais.



No espaço rural, os Ferradores eram fundamentais para manter a saúde de animais, que utilizados para tração de veículos, lavoura (lavrar, trilhar, etecetra) ou auxiliares de transporte, eram clientes sazonais dos ferradores. Os animais (gado graúdo: bovino, equino, asinino e muar) eram o suporte que permitia às atividades agrícolas desenvolverem-se em harmonia com os ciclos naturais. Numa povoação como Montalvão nunca lhes faltava trabalho nem eles regateavam esforços para servir bem, pessoas e animais. Muitas vezes eram eles que faziam de veterinários. Até de farmacêuticos cuidando de pequenas mazelas que afetavam a pele e os tecidos exteriores dos montalvanenses.  Uma vida de saberes vários, acumulando experiência com os pais ou como aprendizes e apurando-a dia-a-dia compreendendo os animais era uma vida ao serviço da comunidade. De toda a comunidade, em sentido lato, pois envolvia muito mais que ajudar apenas as pessoas. Eram eles que garantiam o bem-estar dos animais. 

(clicar em cima desta e de quase todas as imagens permite melhor visualização das mesmas)




Só conheci o Ti Demingues Ferrador, em finais dos Anos 60 e início de 70, que já devia ser o único ferrador. Talvez o último em Montalvão. Seja ou não, fosse ou não fosse, foi o único que me lembro de conhecer a exercer a atividade. Ficava "três portas" ao lado da casa dos meus avós maternos. Com tanta proximidade não é difícil ter estórias a envolver o Ti Demingues Ferrador e um miúdo curioso.



A mais hilariante foi estar a fazer-me confusão como se podiam espetar pregos nos pés de um animal assim sem mais nem menos. Claro que ainda não tinha estudado na escola que o casco é a unha córnea da última falange do dedo dos ungulados e constituída por "tecido morto", ou seja, onde não há extremidades nervosas ativas por isso não causa nenhum distúrbio ao animal qualquer intervenção. É como cortar as unhas nos seres humanos. 


Com um misto de tristeza e inconformismo perguntei ao Ti Demingues Ferrador se antes de pregar os cravos no casco do animal - tenho ideia que era um burro - o tinha anestesiado para que ao cravar ferros nos pés não lhe doesse. Ele riu-se e disse que não era preciso. Eles gostavam, até pediriam se falassem, que lhes cravassem os pregos para poderem andar em cima das ferraduras! Eu retorqui: «Como podem gostar de ser pregados com ferros desse tamanho?». 



Ele entretido com a pergunta ingénua, enquanto ia colocando os cravos, disse-me. Então olha lá para ele e diz-me se vês ele queixar-se enquanto cravo mais este! E não é que ao olhar para o animal em vez de o sentir incomodado, pelo contrário, fez aquele gesto que por vezes é comum nos equídeos, muares e asnos de fazerem um trejeito com os lábios como se estivessem a sorrir! Fiquei convencido. Coincidências que sabem bem. Tão bem que duram a memória de uma vida!  


Os Ferradores foram importantes, como eram todos os ofícios, numa aldeia que praticamente subsistia só pelo que nela se fazia e produzia. As ferraduras permitiam que os cascos não se desgastassem em animais que tinham de fazer ao longo da vida milhares de quilómetros a pisar terrenos duros muitas vezes carregados com quase o triplo do seu próprio peso!   

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