UNO, ÚNICO MAS DIVISÍVEL.
Este não é o rio Sever que os montalvanenses conhecem. É o rio pouco depois de se formar resultante da confluência de dois ribeiros, o de Porto de Espada e o das Reveladas, a 13 quilómetros da nascente deste ribeiro na vertente Noroeste da serra de São Mamede. Corre depois de sul para norte, fazendo cerca de 40 quilómetros em fronteira entre Portugal e Espanha.
Mas é quando o curso de água atravessa a planície de Aramanha, nos "Olhos de Água" que o rio recebe recursos hídricos que o tornam vasto e com caudal contínuo.
A nascente do rio Sever está a 39 quilómetros, em linha reta de Montalvão, tem 63 quilómetros de comprimento (quase o dobro o que ilustra o modo como "serpenteia" quando começa a fazer fronteira com Espanha, a cerca de cinco quilómetros para Leste, de Santo António das Areias (Marvão) e recebe água numa superfície com 326 quilómetros quadrados. Em baixo, ainda antes de fazer fronteira na única ponte em pedra que tem, na Portagem. Durante séculos teve uma outra, mais para jusante, numa pequena localidade denominada mesmo..."Ponte Velha" que foi desmantelada em final dos Anos 50. A fotografia dessa pequena ponte servirá para ilustrar um próximo texto acerca do rio Sever.
Para os montalvanenses este é o rio Sever que conhecem. Agora.
Mas só é assim depois de inaugurada a barragem de Cedilho. Durante séculos do rio Sever esta, a de baixo, era uma das imagens, pois entre o Inverno (violento, traiçoeiro, repentista, arrastando ramos, até troncos, rápido e vigoroso) e o Verão (lento, bucólico, sons de grilos atiçados e rãs a coaxar, nem corria, com água apenas nos «pégos» junto aos açudes dos moinhos ou em algum poço «escouso», como caminho a convidar passear pelo leito e sonolento) a paisagem mudava muito junto do leito embora serpenteando entre terras antigas e agrestes, muitas vezes escarpas de canchos intransponíveis. As «Barreiras do Rio» essas eram imutáveis. Estavam lá para dar veracidade milenar a um curso de água que ao chegar junto do rio Tejo, trazia diversas histórias e muito que contar desde a nascente a 39 quilómetros em linha reta mas que a orografia obriga a percorrer 63 quilómetros.
O rio era como se fosse o único rio do Mundo pois em Montalvão nunca se dizia "vamos ao Sever". Era sempre "vamos ao Rio". Só havia um! Ele, o Sever, por isso este estava implícito numa simples palavra com três letrinhas: R-I-O.
Uno pois ele é apenas um bem delineado, com o leito lá no fundo encaixado entre vertentes possantes e hercúleas que o escondem até estarmos bem próximos. Em muitos carreiros que a ele conduzem ouvia-se primeiro o som das suas águas antes de as avistar.
Mas divisível (contradizendo que era uno) pois havia o «Rio da Nogueira», o «Rio do Artur», o «Rio da Xá Toureira», o «Rio deste e daquele; disto e daquilo». Mais não eram que pequenos troços do caudal dando-lhe nome os moinhos que o pontuavam, alguma barroca, ribeiro ou local com história milenar pois há vestígios de ter sido utilizado desde a pré-história, desde "antas" junto a ele, em ambas as margens, até gravuras rupestres, em grande quantidade na confluência com a ribeira de São João.
O rio Sever tinha aproveitamento variado desde o "Lazer", aproveitando a sua doçura entre meados da Primavera e o início do Outono até "Idas a Espanha", com passagem quase obrigatória pela loja que tudo vendia do senhor Fabiã. Nunca foi obstáculo para o contrabando - essencialmente de Espanha para Portugal - mas provocou tragédias pois de Inverno era implacável.
Mas em termos económicos foi fundamental para a existência de pão em Montalvão, pois era nos seus moinhos que se transformava o grão em farinha sendo depois esta amassada em casa e cozida nos fornos da povoação. Havia ainda o peixe que a construção de barragens no rio Tejo foi fazendo diminuir em variedade, mas os barbos sempre permitiram uma boa e afamada sopa.
As águas do rio ainda permitiam desenvolver o processo de transformação do caule do linho em fibras bem como apurar os tremoços de modo a serem petisco nas bodas que se faziam em Montalvão. Alagar linho e tremoços, quantas toneladas não passaram pelas águas do rio Sever em sete séculos.
Durante séculos os montalvanenses viam no Sever um rio diacrónico: rebelde (quase intransponível) de Inverno e bucólico no Verão, onde atravessar entre margens era brincadeira, mesmo junto da confluência com o rio Tejo quando este também estiava, em final de Verão, antes das primeiras chuvadas de Outono, na Meseta Ibérica.
Com a construção da barragem de Cedilho, em final dos Anos 60 e inaugurada em 1976 (5 de Julho) a fisionomia mudou radicalmente.
Curioso é ler e aprender com a descrição que lhe fizeram em 1803. Há mais de dois séculos e que ilustra o que era desde há muito e o que terminaria em meados do século XX. Num excerto dessa descrição, acerca dos locais preferenciais para atravessar o «Rio».
Um dia destes...Rio Sever 1803
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