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06 dezembro 2020

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Os Ricos

06 dezembro 2020 0 Comentários

OS TERRATENENTES DE MONTALVÃO MARCARAM A VIDA E EVOLUÇÃO DO TERRITÓRIO.

A


Num território tão vasto, isolado e com pouca capacidade para utilização agrícola mas dependendo quase em exclusivo da agricultura, as famílias dos «riques», modelaram o espaço e as vidas dos montalvanenses. Pelos registos de casamento, no século XIX, cerca de 80 por cento dos homens eram jornaleiros ao serviço de escassos Proprietários e Lavradores.


(clicar em cima desta e de quase todas as imagens permite melhor visualização das mesmas)



Em 1758, aquando do inquérito para avaliar os danos provocados em todo o País, pelo terramoto de 1 de novembro de 1755, aproveitando para conhecer a geografia, história e sociedade de cada paróquia, o enorme território do concelho de Montalvão estava dividido em quatro folhas. Provavelmente, ainda as mesmas aquando da formação do povoado, em final do século XIII tendo em conta que as mudanças sóciopolíticas eram lentas, mantendo-se a inércia e tradição durante séculos. Havendo mudanças, entre o século XIII e o século XVIII elas seriam residuais.

 

Para a questão colocada no questionário elaborado na Corte em Lisboa, da responsabilidade de Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro Marquês de Pombal:


 


5. Se tem termo seu: que lugares, ou aldeas comprehende, como se chamaõ? E quantos visinhos tem?


O Pároco de Montalvão, Vigário Frei António Nunes Pestana de Mendonça, responde (texto inicial):



 5. Tem termo proprio dividido em quatro folhas - a saber Diagueiros, que tem huma legoa de comprimento para as partes de Castello de Vide = a folha de Magdalena, que tem outra legoa de comprimento para as partes de Nisa - A folha das Antas que hé a menor de todas terá três quartos de comprimento para as partes de Castella = finalmente a folha da Barreyra, que tem huma légoa para as partes da Beira, e finalisa no rio Tejo = ...... continua com a descrição e dimensão dos lugares


A rede viária e as grandes casas dos terratenentes

Há claramente dois tipos de arruamentos em Montalvão. Os do núcleo central (rua do Outeiro, Direita e do Cabo; rua da Costa, rua das Traseiras e Cabine; Praça da República)  e os dos limites de Montalvão: rua de São João, Arrabalde, rua da Barca, rua das Almas, rua do Arneiro, rua de São Pedro e Corredoura. As casas dos «riques» localizam-se nestas artérias periféricas e são as únicas que têm grandes quintais, mesmo tapadas. Isto permite estabelecer que nasceram no espaço agora ocupado por estas casas as primeiras casas das classes mais altas em Montalvão e foi nestas autênticas tapadas que depois se foram construindo as casas, provavelmente, dos seus empregados, daí nem terem quintais ou estes serem diminutos. Eram espaços cedidos nas tapadas onde estavam instaladas as casas senhoriais. 


O paradigma da utilização de uma tapada onde se fizeram dois casarões para «riques» e depois casas de habitação para famílias mais pobres dando origem ao lado nascente do Arrabalde. O senhor Leviér Rico (Olivier de Faria Morujo em «montalvanês») era irmão da esposa do senhor António Pedro, Joana Pimentel. Estes tiveram uma filha Dona Fausto Pimentel Morujo que casou com o Doutor Manuel Lopes (beirão) que tiveram uma filha, a menine Marí'Ana (Maria Ana da Graça Pimentel Lopes). O senhor Olivier casou com a Dona Manuela tendo uma filha que casou em Nisa, tendo uma catrefada de filhos, entre eles o menine Titi que foi uma das vítimas da Guerra Colonial, "primo segundo" - em 6.º grau de consanguinidade pelo Direito Civil ou 3.º pelo Direito Canónico - da menine Marí'Ana. Era assim entre todas as famílias dos «riques» montalvanenses. Outro "ramo" deu origem ao lado nascente da rua de São João, o Senhor Liviér Pobre (Olivier de Faria Pimentel por ser menos rico que o Olivier de Faria Morujo). E com um antepassado comum, o senhor...Olivier Faria, mas isto era um novelo que iria levar a três famílias, cujos varões foram capitães de D. Vasco Fernandes...

O doutor Manuel Gregório Lopes (telefone 7) era beirão casando com a filha do senhor António Pedro. O doutor Joaquim Carita Remexido (telefone 3) era nisense casando com a Dona Joaquina tendo uma filha a Dona Catarina que foi casar com o doutor Louro, na Salavessa. O Doutor Mário Relvas Fraústo foi o "único" doutor, era veterinário, descendente dos terratenentes de Montalvão, natural da Vila. Seguiu-se o Doutor Adon de Mora Pimentel (médico cirurgião, em Lisboa, com consultório na Praça António Sardinha, junto à Penha de França), filho de Olivier de Faria Pimentel e da Dona Moura, irmã do senhor José Joaquim Godinho de Moura. Sempre a "rodar" pelas mesmas famílias


A rua de São Pedro (lado norte, os atuais números pares) são casas construídas no século XX em quintais da rua do Outeiro, Direita e do Cabo. As famílias mais poderosas de Montalvão têm os seus casarões instalados nos arruamentos periféricos e não nos arruamentos centrais onde o espaço é exíguo. O crescimento faseado de Montalvão - até ao século XVI, entre este e o século XIX e no século XX - merecem um destaque à parte que será feito num destes dias num Futuro próximo. Oficialmente a rua do Arneiro denomina-se rua 5 de Outubro, a rua de São Pedro, até à antiga Escola dos Rapazes (atuais números 21 e 23) denomina-se oficialmente rua Cândido dos Reis e a rua do Outeiro denomina-se, também em termos de registo de toponímia, rua Miguel Bombarda. E é até este local pois era aqui que terminava o arruamento aquando da implantação da República, em 5 de outubro de 1910. Como se sabe Miguel Bombarda é um médico herói republicano assassinado por um seu doente mental a dois dias da Implantação da República pela qual ele tanto lutou.


O médico psiquiatra Miguel Bombarda em 1907. Seria assassinado no seu gabinete no Hospital de Rilhafoles, atual Miguel Bombarda, destinado a deter alienados, indigentes e curar doentes mentais

   

Os «riques» marcaram a sociedade montalvanense durante séculos tendo, devido ao isolamento de Montalvão e ao poder que detinham no espaço, a capacidade para fazer funcionar a economia do território tal como as tradições e a administração. Uma localidade com centenas de jornaleiros que eram empregados dos terratenentes que dominavam o território montalvanense, lhes moldavam a vida em trabalho, proporcionavam os dias festivos, geriam conflitos e interesses, garantindo os rituais religiosos e proporcionando o desenvolvimento do povoado. Os “resquícios das amarras feudais”, em Montalvão, chegaram até meados do século XX. A população libertou-se da pobreza e servidão quando emigrou para os países da Europa Central, América do Norte e Área Metropolitana de Lisboa. 

 


Os “Ricos” mantinham o domínio territorial em grandes propriedades que o sistema de casamento entre estas famílias permitia acautelar. Com o advento do Liberalismo no século XIX e com mais intensidade no século XX, com a implantação da República, houve “libertação de terras” devido à necessidade de pagar dívidas. Por vezes os “Ricos” deixavam escapar terrenos agrícolas do seu controle ao cederem propriedades a filhos nascidos fora do casamento, geralmente de criadas das suas casas senhoriais. É raro o ano em que não há batismo de filhos de pais incógnitos, como este exemplo:

 


Nem todos filhos de pai incógnito, eram de criadas e de algum membro de uma família para a qual serviam, como é evidente. Mas quando havia nem sempre eram aperfilhados no batizado. Por vezes, quando eram mais crescidos, pelo casamento e alguns nunca o foram. Dependia da vontade, sentido de responsabilidade e circunstâncias do pai. A vida terá fundamentalmente de ser entendida que a tomada de decisões tem sido sempre e continuará a ser em função de muitas variáveis. Parafraseando o filósofo espanhol Ortega y Gasset (1833/1955) o ser humano vive e decide conforme o meio que o rodeia e condiciona. «O Homem é o resultado dele e a sua circunstância».

 

Quando o filho era do sexo masculino recebiam do pai (que sabia que era filho dele, aperfilhando-o ou não) terras e parelhas, poderia ser almocreve, para que não fosse jornaleiro e servo ao serviço de outra família de ricos que muitas vezes até eram familiares, tios e primos, pois as famílias de ricos alinhavam-se por meia dúzia de apelidos: Faria Leal, Fraústo, Morujo, Moura, Pimentel e Relvas, por exemplo. E casavam entre eles. Ter um filho a ser empregado de um primo ou tio, condenado à pobreza, fazia muitos “Ricos” darem bens aos seus filhos nascidos fora do casamento. Houve muita propriedade agrícola que foi “desanexada” dos bens das mais poderosas famílias montalvanenses por este motivo, retalhando algumas extensas “Tapadas”. 


Ter uma parelha de muares garantia poder fazer fretes como almocreve ou cultivar os seus terrenos com hectares apreciáveis. Alguns eram filhos de «riques» e criadas, ou seja fora dos casamentos, outros não, pois herdavam bens dos seus pais ou adquiriam durante uma vida de trabalho


Como eram poucas famílias terratenentes e casavam entre eles é evidente que mais geração, menos geração estariam condenados a desaparecer. Houve alguns casamentos entre famílias ricas de Montalvão e da Salavessa, depois também do Pé da Serra quando este Monte se transforma em Aldeia, sede de freguesia. Até com famílias de Nisa, Castelo de Vide e outras localidades, mas sempre exceções à regra até ao século XIX. Em meados do século XX o declínio da generalidade das famílias poderosas de Montalvão é já inevitável, com a agravante de convergir com alterações profundas nas técnicas agrárias (o modo como se fazia agricultura) devido à falta de mão de obra e necessidade de mecanizar a agricultura. As últimas gerações, a de final do século passado, na generalidade (pois há e haverá sempre exceções) são incapazes de tomar decisões para garantir a continuação (com sustentabilidade) das famílias ricas tradicionais. Foi o seu fim. Como dizia o meu avô materno: «Não lhes auguro nada de bom». E teve razão embora já não visse que tinha…


O Lagar do senhor António Pedro, no Pé da Serra. Vivendo em Montalvão tinha vastas propriedades na freguesia do Espírito Santo (Nisa) e de São Simão (Pé da Serra) depois herdadas pelo seu genro, senhor António Tremoceiro, casado com a sua filha, D. Loura

Uma das famílias mais interessantes de perceber como tudo, ou muito, se passou é a família Louro. Teve de tudo. O senhor António Louro, nascido no Pé da Serra numa das famílias mais ricas, casou em Montalvão e para Montalvão foi viver. Mas a sua avó materna era de Montalvão, casando com um filho de um Lavrador que teve uma filha que foi casar ao Pé da Serra com o pai do senhor António Louro, o senhor Francisco Louro. 



O senhor António Louro é figura grata em Montalvão – regressou à localidade da sua avó materna, em 1889 – e vai ser ele que em 1911 fará, o arrolamento dos bens do Clero existentes em Montalvão, para fazer cumprir a "Lei de Separação do Estado das Igrejas" (20 de abril de 1911), após a implantação da República, em 5 de outubro de 1910. Mas isso fica para um dia destes. Quer enaltecer o senhor António Louro, quer publicar o impressionante inventário de bens da Igreja que existia na Paróquia de Montalvão no início da segunda década do século XX.



Assim se foi fazendo (e desfazendo) Montalvão


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