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31 janeiro 2020

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Concelho de Montalvão (Falares)

31 janeiro 2020 0 Comentários
VAI-SE FALAR DO QUE JÁ NÃO PODE SER FALADO. COMO SE FALAVA EM MONTALVÃO NO SÉCULO PASSADO!


Quem ainda se lembra de frases como: «Êlhér! Magana! Antã num viste ú tê Ti Tónhe esbarrondar ú bustigue da porta com a caboiça!? Conhe! Era dar nele uma punhéda nas ventas!» Vejam lá ou Olhem para isto! .....! Então não viste o teu tio António derrubar o postigo da porta com a cabeça? .....! Devia levar um murro na cara! NOTA: .... - sem tradução. Vocabulário de Montalvão.



Em Montalvão, há 50 anos, ainda era possível ouvir montalvanenses com um léxico e uma gramática que se assemelhava ao português mas que por vezes parecia distante. Em Montalvão, havia um vocabulário muito próprio, bem como expressões únicas e fonética distinta que o diferenciavam até de Nisa, que local menos isolado, tinha um falar mais convencional. Se era assim há meio século então recuando mais cem anos e ainda mais uns quantos séculos devia haver um linguarejar muito particular.



O analfabetismo - e a iliteracia - em Montalvão eram gravíssimos, mas... Deliciava-me com 12/13 anos, sentado no banco corrido, de xisto, na fachada da igreja da Misericórdia, junto aos idosos montalvanenses, analfabetos, a falar entre eles. Tinha de fazer tradução simultânea. Eram também momentos de fantasia, ouvir as minhas avós, ambas analfabetas, a falar com outras montalvanenses, analfabetas, acerca de outros assuntos. Quem era analfabeto estava menos contaminado pelo «português normalizado». Ouvir montalvanenses, conversas entre homens e entre mulheres, complementavam-se, pois falavam de assuntos diferentes. Eu entretinha-me a fazer a tradução para os/as perceber, pois o meu domínio era já a Língua Portuguesa, ou seja, para os montalvanenses, falava «à grave»!  


                 
A Escola foi corrigindo nos mais novos o que se considerava ser o português "mal falado" - muitas reguadas devem os montalvanenses ter levado - e depois a televisão fez o resto. Entretanto o tempo, fazendo envelhecer e falecer, os montalvanenses menos contaminados por falares de outras terras, pela Escola e pela televisão, tudo levou. No início dos Anos 70 há uma história que ilustra o quão diferente era a língua falada em Montalvão. Fui passar as férias de Verão, a Montalvão transportado por um vizinho taxista que necessitava de fazer a rodagem ao carro a gasóleo. Um taxi de Lisboa, em Montalvão, na rua de São Pedro («Sam Pôidre») foi logo motivo de alarido. O taxi parou junto à casa dos meus avós maternos que saíram para me receber. Como na casa da frente vivia o Ti Xico alfaiate, barbeiro e tocador de banjo, estando em casa, logo saiu de sua habitação para falar comigo e com a minha avó. Passado algum tempo o meu vizinho taxista, o senhor Luís, lá seguiu caminho, regressando a Nisa - em Montalvão é-se sempre obrigado a voltar para trás, mesmo que se queira ir para a "frente", ou seja, Norte - para seguir rumo à Beira Baixa. Passados os dois meses e meio das férias de Verão, já em Lisboa, cruzo-me com o meu vizinho que questiona. O que é que foi dito quando o deixei à porta de casa da avó? É que estive bem lá uma meia hora compreendi algumas palavras mas não entendi o que quiseram dizer! Foi neste momento que percebi que era bilingue. Entendia o português de Lisboa e o de Montalvão. Ainda lhe respondi. E não esteve à conversa com os meus bisavós maternos do lado da minha avó. Quando o meu avô Silva e a minha avó Branca falam, nem eu percebo o sentido de algumas frases!



Pensando nesta estória a cinquenta anos de distância ela ainda é mais extraordinária. Envolve um taxista a trabalhar em Lisboa, ou seja, alguém que tinha vasta experiência em lidar a todo o momento com "falares" muito diferentes, por isso, com alguma agilidade mental e intuição para perceber (e tirar) de um palavreado o sentido. Mas não! Em Montalvão, um taxista de Lisboa, com cerca de 40 anos de idade e 20 de experiência, que nunca tinha estado na povoação, não conseguiu entender, durante quase meia hora, o diálogo entre dois montalvanenses "de gema". E passado meio século, o senhor Luís (agora nonagenário) felizmente bem de saúde ainda se recorda e fala muitas vezes nessa experiência única. Ou seja, como de repente, depois de fazer mais de 200 quilómetros, entre Lisboa e Montalvão (ainda pela reta do Cabo, Infantado, Mora, Ponte de Sor e cruzamento para o Gavião) ao sair do automóvel e ouvir dois portugueses, ficou com a sensação que estava num outro País, com uma outra Língua! Eu que fazia tradução instantânea em Montalvão (por ter adquirido o hábito em casa dos meus pais onde sempre houve léxico e sintaxe de Montalvão e de longos períodos passados na povoação) "percebo-o" muito bem!



A definição do que é uma "Língua" ou Idioma é cada vez mais complexo e difícil de estudar devido à uniformização provocada, pela Escola, mas principalmente pela televisão e antes um pouco antes desta, pela telefonia.



Nos primeiros estudos que houve em Portugal, ainda no século XIX, pelo genial José Leite de Vasconcelos este percebeu, por ser muito evidente, que havia uma região no interior, junto à fronteira com Espanha, delimitada pelo rio Tejo onde havia um "falar" com características muito próprias.



Como é evidente só estudando ao pormenor essa área que ainda tinha uma dimensão considerável se poderia saber se havia homogeneidade ou diferenças dentro desses limites que obrigassem a subdividi-la. Mais tarde houve quem desenvolvesse o trabalho do pioneiro, distinguindo-se Manuel de Paiva Boléo que permitiu a Maria Helena Santos Silva fazer um trabalho notável, estabelecendo sub-áreas.





Continuou a definir-se uma área, já mais restrita, percebendo que havia singularidades na forma de falar mas pouco mais se adiantava quando a "contaminação" em termos de massificação do modo de se expressar, vestir e comportamento que se ia formatando em função da norma Lisboa/Coimbra.  Seguiu-se Luís Ferreira Lindley Cintra que foi meu professor no início dos Anos 80 e que fez uma definição criteriosa. 



Infelizmente nunca se procurou saber nessa região remota como seriam as características bem vincadas dela e as diferenças numa região ainda mais isolada dentro desse espaço. Montalvão foi uma ilha - pela dificuldade de lhe aceder durante séculos - dentro desse espaço tão distante. Tem havido estudos mas o tempo vai tornando impossível registar o que foi o "dialeto" de Montalvão. 

Os trabalhos têm continuado, com Fernando Brissos a desenvolver atividade recentemente procurando perceber a variedade linguística desse "enclave fonético" entre Castelo Branco e Portalegre, utilizando para Montalvão inquéritos realizados em... 1957, pelo alemão Helmut Lüdtke.



O que é de lastimar é que, nos últimos anos, se tenham feito tantos trabalhos e dissertações em localidades vizinhas, quanto a mim, muito menos diferenciadas, mas a Montalvão nunca se lembraram de ir. Andou por lá um... alemão (Helmut Lüdtke) em 1957. O que tinha feito falta era um gravador e umas quantas horas de fita para registar para sempre uma pronúncia, dialeto ou idioma, fosse o que fosse. Que o "falar" em Montalvão era bem diferente de tudo o que o rodeava. Assim... tudo se perdeu.



A justificação que ouvi de alguns linguistas e até do professor Orlando Ribeiro (geógrafo), embora neste caso devido à idade avançada seria estimular outros, quando incentivados a "estudarem" Montalvão era de cartilha: Montalvão não é só aldeia de uma freguesia!? Se nem as sedes de concelho do norte do Alto Alentejo estão estudadas, porquê estudar uma aldeia! Pois, mas era nessa aldeia que estava o cerne do que interessava. Uma pronúncia, um dialeto, uma língua certamente que sobreviveu até meados do século XX por ser um território geograficamente isolado, por isso pouco contaminado. Na obra-prima de Orlando Ribeiro - «Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico. Estudo Geográfico», editado no final de 1945 - o conhecimento deste sendo enciclopédico era também feito a calcorrear o território, tendo sempre boas companhias, incluindo nelas José Leite de Vasconcelos. A descrição do Alentejo é magnífica parecendo que ele a fez lá do alto do castelo montalvanense. Atente-se no que escreveu entre a página 232 e a 233, na primeira edição, dessa obra-prima:



O Mapa com as divisões geográficas de Portugal é inequívoco. O norte do Norte do Alentejo ainda pode ser Alentejo mas também já tem muito, quase tudo, de Beira Baixa. Está no Alto Alentejo, mas é Beira Baixa. E Montalvão supera tudo, devido ao isolamento, quer para norte, quer para sul, ainda que seja esta a impressão de um montalvanense que não está impressa no livro, como é óbvio, por ser uma singularidade.


A Língua Portuguesa tem uma longa e lenta evolução. Como todos os idiomas (clicar).



Como este é um tema complexo - por não ter sido estudado ao pormenor, em Montalvão e na Salavessa e por já não ser possível de estudar, pois quem podia ser objeto desse estudo há muito faleceu - restam memórias e sons esparsos de algumas palavras e frases mais usadas ou que surgem na memória de um modo isolado porque espontâneo, mas sem a consistência que teve outrora. E mesmo estas vão desaparecer nos próximos anos, quando falecerem os que ainda ouviram o que restava - embora por serem escolarizados, verem e ouvirem televisão e lerem jornais e livros - sentirem-se obrigados a falar o mais próximo possível da norma (Lisboa/Coimbra). Resta indicar uma série de livros que, entre teoria, prática e colocar questões acerca da Língua, ajudam a perceber que caso tenha sido uma Pronúncia muito diferenciada em relação à norma (Lisboa/Coimbra), um Dialeto ou uma Língua, houve durante séculos um «Montalvanês» que no século XII até seria muito diferente do que foi falado no início do século XIX, pois é assim com todas as pronúncias, dialetos ou línguas do Mundo. Há a anotar que - como já tem sido objeto de referência em alguns textos - um blogue é apenas opinião. Este não foge à regra. Vale o que vale. São os leitores que o podem valorizar. Pode ter leitores e leituras a todos os níveis, desde concordar em absoluto, como discordar totalmente, mas é isso que faz a riqueza da Humanidade. Cada Ser Humano, num qualquer recanto do Planeta, ter opinião fundamentada e poder dá-la! 

1. Mappa Dialectologico do Continente Português precedido de uma classificação summaria das linguas (por A. R. Gonçalves Vianna); Vasconcellos, José Leite de; Guillard, Aillaud & C.ª; 16 pp; Lisboa; 1897;
2. O «Mapa dos Dialectos e Falares de Portugal Continental»; Boléo, Manuel de Paiva e Silva, Maria Helena Santos; Centro de Estudos Filológicos; 115 pp + mapas desdobráveis; Lisboa; 1962;
3. Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico. Estudo Geográfico; Ribeiro, Orlando; 246 pp; Coimbra Editora, Limitada; Coimbra; 1945;
4. Estudos de Dialectologia Portuguesa; Cintra, Luís Filipe Lindley; Livraria Sá da Costa Editora; 214 pp; Lisboa; 1983;
5. Assim Nasceu uma Língua. Sobre as origens do português; Venâncio, Fernando; 311 pp; Guerra & Paz; Lisboa; 2019. 

Para finalizar digitalizações de um tema interessante pois os dialetos (variantes) podem ser "Línguas" se pensarmos que as línguas latinas ou românicas (uma dezena) se podem considerar dialetos (variações) do Latim. Esta é uma língua que não se sabe como era em termos orais, pois nunca nenhum Linguista a ouviu, mas tendo em conta o isolamento de muitas das comunidades que a utilizavam para comunicar, provavelmente quem falava latim em Roma nem perceberia o latim falado nas periferias do imenso Império Romano.

 Há cada vez mais para se ler e conhecer (clicar).


«O Galego e o Português São a Mesma Língua»; Neves, Marco; Através Editora; Santiago de Compostela; junho de 2019; 127 pp; Prólogo de João Veloso; páginas 11 a 18

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29 janeiro 2020

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De Montalvão Para o Mundo

29 janeiro 2020 0 Comentários
PELO MENOS O MUNDO PORTUGUÊS QUE, ATÉ 1974, IA DO MINHO A TIMOR.



O livro «Leituras» para a 4.ª classe do ensino primário elementar, foi (ainda é...) o livro único que esteve mais anos letivos em vigor, entre 1931/32 e 1967/68, contando com 132 edições em 36 anos letivos, ou seja, teve edições plurianuais (anos letivos com várias edições) devido ao aumento do número de alunos matriculados na 4.ª classe ter crescido acima das previsões.

Quem leu, não esqueceu
Nesse livro, na página 45, num texto dedicado ao porco há uma justa referência ao que Montalvão (e povoações vizinhas) tem, de melhor a nível nacional e mundial... os enchidos.



Foi pois uma justa referência dos autores, entre eles, o insigne casapiano Cruz Filipe, professor na Instituição (Casa Pia de Lisboa) especializado em ensinar os alunos com deficiências cognitivas mais graves, na atualidade, designam-se «professores do ensino especial»: surdos-mudos, cegos, por exemplo, ou com alguma deficiência mental. Cruz Filipe nasceu em Manteigas/Serra da Estrela, em 1890 e faleceu, na cidade de Lisboa, em 1972.

O livro que substituiu o anterior foi editado, em 1968, para o ano letivo 1968/69.



O meu livro da quarta classe até foi outro. Este:



Regressando ao livro mais lido, editado e vendido, para a 4.ª classe, entre o início dos Anos 30 (para quem nasceu em 1920, há 100 anos, infelizmente poucos portugueses desse tempo o leram) até meados dos Anos 60 (já com uma taxa de analfabetismo menor, para quem nasceu por volta de 1955, agora com cerca de 65 anos).

Montalvão com orgulho a fazer parte da educação de várias gerações alfabetizadas de portugueses de Aquém e Além-Mar para lá do Além-Tejo!  
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26 janeiro 2020

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Cal é, Cal é...

26 janeiro 2020 0 Comentários
EU TENHO DOIS AMORES. UM É AZUL OUTRO É OCRE.


Não sei de qual gosto mais.




O melhor é ir mudando a cada caiadela...



Mais acima...



Mais abaixo...




Montalvão é terra bela
Bela com um senão
Nunca se está bem
Bem é mudar de barra
Entre o ocre e o azulão



Olha, olha um esfrunhador montalvanense. 
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23 janeiro 2020

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Escola Primária 70

23 janeiro 2020 0 Comentários

 HÁ 70 ANOS, EM 23 DE JANEIRO DE 1950, POUCO DEPOIS DO INÍCIO DO SEGUNDO PERÍODO FOI INAUGURADO O NOVO EDIFÍCIO PARA A ESCOLA PRIMÁRIA.

Que mereceu honras de destaque em jornais regionais e nacionais a assinalar, com algumas reproduções, em 2021. 

Na penúltima segunda-feira desse mês de janeiro de 1950 os alunos (transitaram da rua de São Pedro) e as alunas (transitaram da rua da Barca) para o novo edifício inaugurado no Sítio do Bernardino. Este tema merecerá destaque aquando de um texto neste blogue honrando «Os Professores».

Montalvão tinha, finalmente uma Escola no modelo idealizado depois da comemoração dos Centenários (1140/1640), em 1940. Demorou tempo a ser concluída, mas foi...

1947

1955

2020

O «Plano dos Centenários» para as escolas primárias adaptava os edifícios às características etnográficas bem como à dimensão do agregado populacional. Montalvão teve uma Escola modelo Alentejo" com dimensão de Vila, ou seja, dois pisos, com quatro salas: duas para raparigas (1.ª e 3.ª classes, na do rés-do-chão; e 2.ª e 4.ª classe no primeiro andar) e duas para rapazes, com a mesma disposição.

A organização das salas de aula, com três janelas, em 1950, era simples:

Catchópas/raparigas 
Dona Mónica, com as primeira e terceira classe, logo na sala do piso térreo;
 
Dona Maria de Lurdes, com as segunda e quarta classe, no piso de cima, subindo as escadas laterais.

Catchôpos/rapazes 
Senhor Domingos Antunes, com a primeira e terceira classes, no rés-do-chão; 

Dona Lucília, com as segunda e quarta classe, no primeiro andar, também com escadas pela lateral. 


A escola além de ter tido uma construção morosa, sete anos, quando abriu tinha condições precárias. Como não havia água canalizada, nem saneamento básico, obrigavam os alunos a "irem à fonte" - as raparigas iam à «Fonte Carreira» e os rapazes à «Fonte do Bernardino». As casas de banho eram rudimentares e o que lhes valia era serem pouco utilizadas. 

As escolas primárias eram muito semelhantes por todo o País, até mais no seu interior que exterior

O horário era sempre a "andar": das nove da manhã ao meio-dia; tudo para casa a almoçar; e da uma às três da tarde. Cinco horas, seis dias por semana. Numa hora, subir o Arrabalde, almoçar e regressar, muitas vezes à chuva e ao vento, era estar mesmo a pedir uma semana na cama doente. À ida, de manhã, e vinda, à tarde, de sacola de pano com livros e cadernos, mais a "pedra", o lápis de pedra e caneta com aparo. Os tinteiros ficavam na pocinha das carteiras. Era assim a escola naquele tempo. Depois foi mudando até tendo quatro salas destinar cada uma a uma classe com turmas mistas mão não misturadas.

Algures em Portugal, com menos batas brancas ou mais, era assim por todo o Portugal

As escolas primárias não eram todas iguais, mas variavam pouco - características regionalistas/etnográficas e dimensão da população.


Desse tempo o que ficou? 

Muitas crianças alfabetizadas, talvez um milhão entre 1950 e 1974, muita iliteracia (pois eram milhares as que nunca mais tinham oportunidade de voltar a ler e escrever) e como símbolo, a palmatória ou régua - eu nunca vi nenhuma palmatória em quatro anos: 1967/68 a 1970/71 - mas levei algumas reguadas.

Assim se foi fazendo Montalvão


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