O NATAL ERA A PRINCIPAL FESTA RELIGIOSA. ALEGRE E SOLIDÁRIA. MAS NÃO ERA A PRINCIPAL EM TERMOS SOCIAIS DEVIDO À POBREZA ENDÉMICA. ESTA ESTAVA RESERVADA PARA 8 DE SETEMBRO. EFUSIVA E EXPANSIVA.
Os primeiros preparativos para o Natal, se assim se pode dizer, era ir aos campos, em meados de setembro, onde havia barrancos e ribeiras e apanhar os gamões para secarem e estarem aptos para arderem na noite de 24 para 25 de dezembro.
Na Igreja Matriz, geralmente junto à pia batismal, fazia-se o Presépio, depois do 8 de dezembro (assinalar das festividades de Nossa Senhora da Conceição), com musgo recolhido nas paredes e muros antigos, nos arredores de Montalvão a que se juntavam as habituais figuras em barro bem atapetadas pelo musgo viçoso da aldeia. Eram estas as duas primeiras atividades, uma popular - apanhar gamões para secarem - e outra religiosa - fazer o presépio na Igreja. Nas casas dos Lavradores ( «Riques» em montalvanês) ouvia-se dizer que faziam grandes presépios mas poucos os viam na realidade. Alguns seriam mais lenda que verdade.
Em 24 de dezembro, após o dia de trabalho, começavam os preparativos para a noite e jantado o feijão com couves feito ao costumeiro lume de madeira a arder (lareira) havia uma divisão de rituais: homens para um lado, rapazes na rua e mães com as filhas na cozinha à lareira («Lume» em montalvanês).
Os primeiros preparativos para o Natal, se assim se pode dizer, era ir aos campos, em meados de setembro, onde havia barrancos e ribeiras e apanhar os gamões para secarem e estarem aptos para arderem na noite de 24 para 25 de dezembro.
Gamão/«Gamã» |
Na Igreja Matriz, geralmente junto à pia batismal, fazia-se o Presépio, depois do 8 de dezembro (assinalar das festividades de Nossa Senhora da Conceição), com musgo recolhido nas paredes e muros antigos, nos arredores de Montalvão a que se juntavam as habituais figuras em barro bem atapetadas pelo musgo viçoso da aldeia. Eram estas as duas primeiras atividades, uma popular - apanhar gamões para secarem - e outra religiosa - fazer o presépio na Igreja. Nas casas dos Lavradores ( «Riques» em montalvanês) ouvia-se dizer que faziam grandes presépios mas poucos os viam na realidade. Alguns seriam mais lenda que verdade.
Em 24 de dezembro, após o dia de trabalho, começavam os preparativos para a noite e jantado o feijão com couves feito ao costumeiro lume de madeira a arder (lareira) havia uma divisão de rituais: homens para um lado, rapazes na rua e mães com as filhas na cozinha à lareira («Lume» em montalvanês).
Entravam em ação os rapazes
Iam buscar a «urra» (que não se deteriorando passava de uns anos para os outros) e davam os últimos retoques nas «fatchas» de gamão seco que eram efémeras para durar uns minutos.
Iam buscar a «urra» (que não se deteriorando passava de uns anos para os outros) e davam os últimos retoques nas «fatchas» de gamão seco que eram efémeras para durar uns minutos.
A «urra» era feita com uma panela de barro tendo a tapá-la pela boca uma pele de cabra retesada e no centro um gamão a furá-la com uma haste exterior de tamanho suficiente para ser manuseada.
As «fatchas» eram molhos de gamões (cerca de vinte) atados com correias de trovisco. Colhiam-se os gamões (no final do Verão), dobravam-se as extremidades para durarem mais tempo a arder, juntando-se em molho atado pela casca do trovisco.
Trovisco/«Trovisque» |
Correndo as ruas uns faziam soar a «urra» e outros faziam archotes das «fatchas». Estas acendiam-se e muitas vezes já a esmorecer faziam acender outras fachas. Podiam arder em archote mais de cem fachas nessa noite de 24 de dezembro. Havia até uma espécie de concurso para ver qual era a mais espessa e comprima. Essa já era um «fatchõe». A «urra» estava segura debaixo do braço esquerdo e abarcada por este, deslizando a mão direita pelo gamão encerado, ressoando a panela em urros que se ouviam ao longe. Fachas a arder e a panela a urrar num monte que dominava uma peneplanície de quilómetros fazia da noite de 24 de dezembro uma manifestação de luz e som avistadas e ouvidas a quilómetros de distância.
Em casa, mães e filhas, colocavam o café ao "lume"
Enquanto faziam filhós, coscorões, argolas, azevias e borrachões. Era frequente os mais pobres baterem às portas dos remediados a pedir "maia-lata de azeite" (um-quarto-de-litro) para fazerem meia dúzia de filhós.
Enquanto faziam filhós, coscorões, argolas, azevias e borrachões. Era frequente os mais pobres baterem às portas dos remediados a pedir "maia-lata de azeite" (um-quarto-de-litro) para fazerem meia dúzia de filhós.
Filhós em Montalvão; Coscorões no resto do Mundo |
Pelas ruas enquanto os rapazes encenavam fogo e som, os homens cantavam em portanhol/espanholês
Com rapazes a percorrer as ruas roncando a «urra» e queimando as «fachas», os homens em grupo, alinhados a toda a largura delas, cantavam entre outras, num espanhol aportuguesado, uma canção à capela renegando tudo o que fosse material, consagrando-se ao Cristianismo, com ele dormindo, nele pensando e Jesus Cristo honrando:
Abre-me a puerta
Cerra la ventana
Esta noche-buena
Vou dormir à tua cama
Abre-me ta puerta
Cerra te postigo
Esta noche-buena
Vou dormir contigo
Não quero más bola
Não quero más novilhos
Que estan mui caros
Los campanilhos
Los campanilhos
Além naquele cerro
Fazem lume os pastores
Aonde nasceu el niño
Entre las flores
Com rapazes a percorrer as ruas roncando a «urra» e queimando as «fachas», os homens em grupo, alinhados a toda a largura delas, cantavam entre outras, num espanhol aportuguesado, uma canção à capela renegando tudo o que fosse material, consagrando-se ao Cristianismo, com ele dormindo, nele pensando e Jesus Cristo honrando:
Abre-me a puerta
Cerra la ventana
Esta noche-buena
Vou dormir à tua cama
Abre-me ta puerta
Cerra te postigo
Esta noche-buena
Vou dormir contigo
Não quero más bola
Não quero más novilhos
Que estan mui caros
Los campanilhos
Los campanilhos
Além naquele cerro
Fazem lume os pastores
Aonde nasceu el niño
Entre las flores
Entretanto tocava o sino na Igreja Matriz
E todos se dirigiam para o interior da igreja. No final da «Missa do Galo» regressavam a casa para cear as iguarias na cozinha. Os pais deitavam passas, rebuçados e amêndoas ao ar, entre outras pequenas iguarias, dizendo que eram ofertas do «Menino Jesus» como que caindo do telhado da cozinha.
Jantar dos "quintos" («quintes»)
Como o Natal era para todos, numa espécie de "ritual de passagem" entre a infância e a idade adulta, os rapazes que já não tinham idade para andar a correr com as fachas a arder em archote, mas ainda não estavam casados e principalmente não tinham filhos, alugavam ou pediam emprestado uma casa vaga ou um palheiro próximo da localidade e formavam grupos por ano de nascimento, para fazerem o «jantar dos quintes» que se prolongava noite dentro. Nos Anos 40 e 50 (ainda Montalvão tinha grande pujança demográfica) os dois mais concorridos eram os das "sortes" (Inspeção Militar) ocorrida naquele ano - a Inspeção Militar era aos 19 anos, em Nisa, no tempo em que a maioridade era aos 21 anos, até 1974 - e os nascidos no ano seguinte, que iriam "tirar sortes" no ano após esse Natal, ou seja, que tinham 18 anos. Mas também havia jantares para os dos 17 anos, até 16, tal como para os de 20 e assim sucessivamente, embora estes fossem cada vez menos devido aos casamentos e principalmente ao nascimento dos filhos. Embora houvesse, sempre, quem conseguisse dar uma escapadela dos "compromissos familiares" e por lá passasse nem que fosse para petiscar e bebericar.
E todos se dirigiam para o interior da igreja. No final da «Missa do Galo» regressavam a casa para cear as iguarias na cozinha. Os pais deitavam passas, rebuçados e amêndoas ao ar, entre outras pequenas iguarias, dizendo que eram ofertas do «Menino Jesus» como que caindo do telhado da cozinha.
Jantar dos "quintos" («quintes»)
Como o Natal era para todos, numa espécie de "ritual de passagem" entre a infância e a idade adulta, os rapazes que já não tinham idade para andar a correr com as fachas a arder em archote, mas ainda não estavam casados e principalmente não tinham filhos, alugavam ou pediam emprestado uma casa vaga ou um palheiro próximo da localidade e formavam grupos por ano de nascimento, para fazerem o «jantar dos quintes» que se prolongava noite dentro. Nos Anos 40 e 50 (ainda Montalvão tinha grande pujança demográfica) os dois mais concorridos eram os das "sortes" (Inspeção Militar) ocorrida naquele ano - a Inspeção Militar era aos 19 anos, em Nisa, no tempo em que a maioridade era aos 21 anos, até 1974 - e os nascidos no ano seguinte, que iriam "tirar sortes" no ano após esse Natal, ou seja, que tinham 18 anos. Mas também havia jantares para os dos 17 anos, até 16, tal como para os de 20 e assim sucessivamente, embora estes fossem cada vez menos devido aos casamentos e principalmente ao nascimento dos filhos. Embora houvesse, sempre, quem conseguisse dar uma escapadela dos "compromissos familiares" e por lá passasse nem que fosse para petiscar e bebericar.
Com muita sorte havia "sapatinho"
Colocado ao final da noite de 24 de dezembro junto à chaminé, na manhã do dia seguinte, 25 de dezembro, raras vezes mas por vezes acontecia, havia uma peça de roupa interior junto do sapato deixado à beira da chaminé ou até no outro sapatinho que ficava junto à cama.
Logo de manhã
No dia 25 de dezembro, na Missa matinal, beijava-se a figura do "Menino" que seria o reconhecimento ao nascimento de Jesus e... recomeçava mais um ciclo de vida até ao Natal seguinte. Outro ano.
Para algumas das mais belas pinturas da Natividade (clicar)
Natal sempre inspirador e tempo de renovação.
Colocado ao final da noite de 24 de dezembro junto à chaminé, na manhã do dia seguinte, 25 de dezembro, raras vezes mas por vezes acontecia, havia uma peça de roupa interior junto do sapato deixado à beira da chaminé ou até no outro sapatinho que ficava junto à cama.
Logo de manhã
No dia 25 de dezembro, na Missa matinal, beijava-se a figura do "Menino" que seria o reconhecimento ao nascimento de Jesus e... recomeçava mais um ciclo de vida até ao Natal seguinte. Outro ano.
Para algumas das mais belas pinturas da Natividade (clicar)
Natal sempre inspirador e tempo de renovação.
O Natal - 25 de dezembro - é pouco depois do Solstício de Inverno - 03:27 horas em 22 de dezembro de 2023 - que foi a noite mais longa do ano passando a partir dessa data a aumentar a parte diurna do dia até ao Solstício de Verão - 20:50 horas em 20 de junho de 2024 - quando ocorre a noite mais curta do ano.
Eis Montalvão, cuja origem remonta ao mais puro rito do Cristianismo Templário.
As atividades humanas decorriam pontuadas pelas cerimónias do Divino
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