A celebração do dia do "pai terreno" de Jesus Cristo significava a primeira grande manifestação da Quaresma. É que tendo a Quaresma 46 dias indexada ao calendário lunar o dia 19 de março (Dia de São José) pode ser o 19.º dia da Quaresma ou o 42.º coincidido com a Quarta-feira de Trevas. Podendo estar no final da Quaresma se a Quarta-feira de Cinzas for em 4 de fevereiro (e o Domingo de Páscoa em 23 de março) ou no seu início, entre 1 de março (Quarta-feira de Cinzas) e 25 de abril (Domingo de Páscoa). Estas datas extremas são raras mas possíveis. Em 2024, 19 de março corresponde ao 34.º dia da Quaresma. Faltam 12 dias para Domingo de Páscoa (31 de março). Se há procissão com razão de ser é esta pois corresponde ao percurso de Jesus Cristo entre a sua prisão e a crucificação.
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Dia de São José
De manhã havia a confissão dos fiéis, antes da Missa Solene cantada às dez horas da manhã. De tarde fazia-se a procissão. Aos sete andores juntavam-se dois andores que estavam na Igreja Matriz: São Francisco e o do Senhor dos Passos. A organização da procissão merecerá um destaque especial neste blogue num futuro próximo. Por ser grandiosa e significativa. Só o facto de ser numa aldeia - com pouco mais de mil e quinhentos habitantes em finais do século XIX e dois mil e quinhentos em meados do século XX - não faz dela uma referência católica mundial. Era uma procissão ímpar. Fica um resumo da sua organização (do início para o final):
1. Cruz e Guião roxo da «Irmandade da Venerável Ordem Terceira de São Francisco»;
2. Dois rapazes vestidos com uma bata branca. Um com uma espada e outro com um ramo de laranjeira com 14 laranjas;
3. Uma multidão de miúdos montalvanenes vestidos de anjinhos, a azul ou branco, organizados por uma senhora, a "Ministra", portadores de símbolos religiosos desde a Bíblia a ossos que simbolizavam relíquias de mártires da Igreja Católica. Até símbolos pré-cristianismo como o Sol e a Lua;
4. Atrás dos anjinhos seguia a «Maeda» (geralmente uma rapariga) com 14/15 anos, vestida de roxo com longa cabeleira loira postiça, levando pela mão dois anjinhos;
5. A seguir vinham os nove andores: sete recolhidos em sete casas mais os dois que estavam na Igreja Matriz:
Senhor Salvador do Mundo;
São Ivo;
Bem Casados (São Ivo e Santa Boina);
Santa Isabel;
São Francisco;
São Roque;
Santa Margarida de Cretona;
Santa Rosa;
Senhor os Passos.
6. Por fim, os habitantes de Montalvão e quem queria participar. Entre eles o pároco que segurava o Crucifixo do Santo Lenho.
Pós-procissão
Terminada a procissão, abençoada a aldeia o cerimonial terminava na Igreja Matriz. No dia seguinte (20 de Março) os sete andores regressavam às casas que os aguardavam ficando guardados um ano até à próxima procissão dos Passos.
Nunca é redundante sublinhar. Esta era uma das maiores procissões do Mundo Católico pois "mobilizava" toda a aldeia. Só quem estava muito doente ou gravemente incapacitado ficava em casa e mesmo assim numa janela ou varanda por onde passasse a procissão. Nem que tivesse que pedir a alguém se não habitasse numa casa que estivesse no percurso da procissão. Era algo grandioso e profundo. E esta devoção, tradição e compromisso tem origem na génese da aldeia, entre 1298 e 1315, pois começou por ser um aglomerado de devotos a Cristo. Fundado por um templário. Uma aldeia dedicada a honrar Jesus Cristo e os seus seguidores. Uma aldeia de devoção incondicional.
Quando 19 de março coincidia com o domingo, mobilizavam-se mais de mil e quinhentas pessoas tantas as que habitavam Montalvão e ainda vinha muita gente de longe, além do Santo André e Salavessa: Monte do Pombo, Lomba da Barca, Vale de Figueira, Póvoa e Meadas, Castelo de Vide, Casalinho (Espanha) a até de Nisa e arredores desta.
E a Quaresma continuava...
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Procissão dos Passos
O percurso habitual mas com muitas colchas às janelas e nas poucas varandas que existem na aldeia. Mas as que existem estavam guarnecidas para honrar as imagens, andores, pessoas e o sagrado. A procissão com mais de meia-aldeia a formá-la iniciava-se junto das portas da Igreja Matriz, descia a rua da Barca até ao "Fundo da Rua" virava à esquerda subindo a rua da Costa até ao topo guinando à direita pela rua Direita, depois rua do Cabo. Ao chegar à Corredoura, virava à esquerda pelo início da azinhaga do São Pedro/Corredoura até ao Adro da Igreja de São Pedro seguindo pela rua de São Pedro, descendo depois a rua do Arneiro para virar à esquerda rumo às Portas da Igreja Matriz onde findava.
O percurso habitual mas com muitas colchas às janelas e nas poucas varandas que existem na aldeia. Mas as que existem estavam guarnecidas para honrar as imagens, andores, pessoas e o sagrado. A procissão com mais de meia-aldeia a formá-la iniciava-se junto das portas da Igreja Matriz, descia a rua da Barca até ao "Fundo da Rua" virava à esquerda subindo a rua da Costa até ao topo guinando à direita pela rua Direita, depois rua do Cabo. Ao chegar à Corredoura, virava à esquerda pelo início da azinhaga do São Pedro/Corredoura até ao Adro da Igreja de São Pedro seguindo pela rua de São Pedro, descendo depois a rua do Arneiro para virar à esquerda rumo às Portas da Igreja Matriz onde findava.
Preparativos de véspera (18 de Março)
Os jovens mais velhos (depois com a «Escola Primária» os alunos da 4.ª classe) deslocavam-se na véspera do dia de São José às casas onde se encontravam os "andores móveis" que não podendo estar na Igreja Matriz repousavam nos casarões dos lavradores, ou «riques» em montalvanês. Algumas destas casas tinham dependências que funcionavam como capelas particulares, ainda, que sem grande aprumo. Os lavradores em Montalvão sempre tiveram pouco gosto ou primavam pela avareza, por isso, esmeravam-se pouco em ter o interior das casas condizentes com a riqueza que aparentavam. Casarões vistos de fora que impressionavam face à exiguidade das restantes habitações, mas interior que replicavam a pobreza das restantes. Praticamente só tinham mais dependências. Não há registo de grande esmero na decoração ou especial gosto em ter alternativas ao comum das habitações. A Procissão contemplava as 14 paragens ou estações (clicar). Se 19 de março já fosse um dia muito próximo da Semana Santa - em 2022 não é - prescindia-se deste procedimento mais moroso, pois na procissão de Sexta-Feira Santa era de realização obrigatória as 14 paragens ou estações.
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Os jovens mais velhos (depois com a «Escola Primária» os alunos da 4.ª classe) deslocavam-se na véspera do dia de São José às casas onde se encontravam os "andores móveis" que não podendo estar na Igreja Matriz repousavam nos casarões dos lavradores, ou «riques» em montalvanês. Algumas destas casas tinham dependências que funcionavam como capelas particulares, ainda, que sem grande aprumo. Os lavradores em Montalvão sempre tiveram pouco gosto ou primavam pela avareza, por isso, esmeravam-se pouco em ter o interior das casas condizentes com a riqueza que aparentavam. Casarões vistos de fora que impressionavam face à exiguidade das restantes habitações, mas interior que replicavam a pobreza das restantes. Praticamente só tinham mais dependências. Não há registo de grande esmero na decoração ou especial gosto em ter alternativas ao comum das habitações. A Procissão contemplava as 14 paragens ou estações (clicar). Se 19 de março já fosse um dia muito próximo da Semana Santa - em 2022 não é - prescindia-se deste procedimento mais moroso, pois na procissão de Sexta-Feira Santa era de realização obrigatória as 14 paragens ou estações.
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Reunião dos andores
Na tarde de dia 18 de Março os «catchôpes» rapazes em montalvanês apresentavam-se ao senhor padre - Montalvão tinha um padre residente - recebendo uma opa roxa e uma tocha sendo-lhes indicada a casa onde estava a "bandeira" e o "andor" que tinham de recolher depositando-as na Igreja Matriz. Eram sete os andores e respectivas bandeiras. Até à implantação da República (5 de Outubro de 1910) o cerimonial era todo ele feito de acordo com os princípios ancestrais da aldeia estando a cargo da «Irmandade da Venerável Ordem Terceira de São Francisco». Montalvão tinha seis irmandades, cada uma delas devidamente organizada e com responsabilidades definidas em determinadas festividades religiosas - mas isso será outra história a contar um dia destes.
Na tarde de dia 18 de Março os «catchôpes» rapazes em montalvanês apresentavam-se ao senhor padre - Montalvão tinha um padre residente - recebendo uma opa roxa e uma tocha sendo-lhes indicada a casa onde estava a "bandeira" e o "andor" que tinham de recolher depositando-as na Igreja Matriz. Eram sete os andores e respectivas bandeiras. Até à implantação da República (5 de Outubro de 1910) o cerimonial era todo ele feito de acordo com os princípios ancestrais da aldeia estando a cargo da «Irmandade da Venerável Ordem Terceira de São Francisco». Montalvão tinha seis irmandades, cada uma delas devidamente organizada e com responsabilidades definidas em determinadas festividades religiosas - mas isso será outra história a contar um dia destes.
Dia de São José
De manhã havia a confissão dos fiéis, antes da Missa Solene cantada às dez horas da manhã. De tarde fazia-se a procissão. Aos sete andores juntavam-se dois andores que estavam na Igreja Matriz: São Francisco e o do Senhor dos Passos. A organização da procissão merecerá um destaque especial neste blogue num futuro próximo. Por ser grandiosa e significativa. Só o facto de ser numa aldeia - com pouco mais de mil e quinhentos habitantes em finais do século XIX e dois mil e quinhentos em meados do século XX - não faz dela uma referência católica mundial. Era uma procissão ímpar. Fica um resumo da sua organização (do início para o final):
1. Cruz e Guião roxo da «Irmandade da Venerável Ordem Terceira de São Francisco»;
2. Dois rapazes vestidos com uma bata branca. Um com uma espada e outro com um ramo de laranjeira com 14 laranjas;
3. Uma multidão de miúdos montalvanenes vestidos de anjinhos, a azul ou branco, organizados por uma senhora, a "Ministra", portadores de símbolos religiosos desde a Bíblia a ossos que simbolizavam relíquias de mártires da Igreja Católica. Até símbolos pré-cristianismo como o Sol e a Lua;
4. Atrás dos anjinhos seguia a «Maeda» (geralmente uma rapariga) com 14/15 anos, vestida de roxo com longa cabeleira loira postiça, levando pela mão dois anjinhos;
5. A seguir vinham os nove andores: sete recolhidos em sete casas mais os dois que estavam na Igreja Matriz:
Senhor Salvador do Mundo;
São Ivo;
Bem Casados (São Ivo e Santa Boina);
Santa Isabel;
São Francisco;
São Roque;
Santa Margarida de Cretona;
Santa Rosa;
Senhor os Passos.
6. Por fim, os habitantes de Montalvão e quem queria participar. Entre eles o pároco que segurava o Crucifixo do Santo Lenho.
Pós-procissão
Terminada a procissão, abençoada a aldeia o cerimonial terminava na Igreja Matriz. No dia seguinte (20 de Março) os sete andores regressavam às casas que os aguardavam ficando guardados um ano até à próxima procissão dos Passos.
Nunca é redundante sublinhar. Esta era uma das maiores procissões do Mundo Católico pois "mobilizava" toda a aldeia. Só quem estava muito doente ou gravemente incapacitado ficava em casa e mesmo assim numa janela ou varanda por onde passasse a procissão. Nem que tivesse que pedir a alguém se não habitasse numa casa que estivesse no percurso da procissão. Era algo grandioso e profundo. E esta devoção, tradição e compromisso tem origem na génese da aldeia, entre 1298 e 1315, pois começou por ser um aglomerado de devotos a Cristo. Fundado por um templário. Uma aldeia dedicada a honrar Jesus Cristo e os seus seguidores. Uma aldeia de devoção incondicional.
Quando 19 de março coincidia com o domingo, mobilizavam-se mais de mil e quinhentas pessoas tantas as que habitavam Montalvão e ainda vinha muita gente de longe, além do Santo André e Salavessa: Monte do Pombo, Lomba da Barca, Vale de Figueira, Póvoa e Meadas, Castelo de Vide, Casalinho (Espanha) a até de Nisa e arredores desta.
E a Quaresma continuava...
Em Amieira do Tejo (2023), Arez (2022) e Alpalhão (2021/2023/204) vão mantendo a tradição (quando é possível)
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