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24 junho 2023

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Festa de São João

24 junho 2023 0 Comentários
A MAIOR E MAIS EXPRESSIVA DAS FESTAS DE JUNHO. EM MONTALVÃO DA RESPONSABILIDADE DOS RICOS.


O São João assinalando o nascimento de João Baptista é a mais expressiva e festejada comemoração no verão, por ser já uma data de festa popular antes do Cristianismo que aproveitou as comemorações pagãs em honra do Solstício de Verão (21/22 de junho). Tal como o Natal "herdou" os festejos populares pagãs referentes ao Solstício de Inverno (21/22 de dezembro). Na prática a «Festa do São João» durava três dias: 23, 24 e 25!



No Evangelho de Lucas, João Batista nasceu seis meses antes de Jesus, ou seja, em 24 de junho de 2 a. C., por isso de hoje a seis meses é véspera de Natal.



NOTA: São João Baptista, pintado a óleo em madeira, entre 1513 e 1516, por Leonardo da Vinci (1452 a 1519) é uma das obras-primas da pintura universal. Um quadro pequeno (69 x 57 cm) que só por ele - agiganta-se quando se observa - é obrigatório visitar o Museu do Louvre, em Paris. Ninguém devia poder morrer sem o ver ao perto, pois mesmo obrigando os visitantes a ficar longe o quadro vem ter connosco!


Entre a «Água Nova de São João» e os figos estiveiros
Aqueles acepipes roxos sem igual! Que não são frutos mas sim sicónios, ou seja, invólucro com as inflorescências das figueiras. Quando se come um figo, comem-se "flores" da figueira!



Sendo organizada pelos lavradores havia que fazer o melhor que fosse possível
A cada ano havia um responsável escolhido no ano anterior, era o Lavrador-Festeiro, mas auxiliado por todos os outros Proprietários Rurais («os riques», em montalvanês) para desempenhar cabalmente as suas funções. Com uma dezena de "riques" em Montalvão tocava várias vezes a cada um o lugar de Lavrador-Festeiro ao longo da sua vida. O Festeiro-Mor (Lavrador-Festeiro) distinguia-se dos outros apenas por haver necessidade de centralizar algumas iniciativas - hoje chamar-se-ia logística - para que a «Festa de São João» tivesse o maior brilho possível, estando quem estava envolvido na sua organização. A festa era de todos os montalvanenses e visitantes mas o seu sucesso dependia do modo como era organizada. A existência de um Festeiro-Mor entre os "ricos" permitia que este cedesse as instalações da sua casa - os maiores  edifícios da aldeia eram os dos "ricos" - como local onde se efetuavam os encontros ou reuniões entre todos, não só para a organização da Festa - geralmente era uma repetição do que vinha de tempos de antanho, de gerações para gerações, ainda que se fosse adaptando à realidade social e demográfica existente - como também para as refeições que coincidiam, geralmente, com os encontros para definir o que seria feito a seguir e fazer o balanço do que já estava realizado, ajustando os pormenores para que houvesse brilho e dignidade aos festejos. As reuniões/encontros obedeciam a praxes ancestrais, curiosas e rigorosamente cumpridas.  


Marcela

Festividades na véspera
A meio da tarde do dia anterior (23 de junho), cerca das quatro ou cinco horas (dependendo do calor desse dia), o tamboreiro com o seu tambor dirigia-se a casa do Festeiro-Mor para se apresentar. Seguia-se uma arruada a rufar, isto é, percorria todas as ruas habitadas a tocar o tambor anunciando a Festa a todos os montalvanenses. Próximo do «Pôr-do-Sol» (em Montalvão, por finais de junho, cerca das 21 horas, quando em prática a hora de verão) o tamboreiro tornava a fazer outra arruada para convocar os lavradores (ou "ricos") que quisessem tomar parte na «Festa de São João», os quais afluíam à casa do Festeiro-Mor, onde eram acolhidos alegremente pela família do principal festeiro e conduzidos à mesa guarnecida, abundantemente, de comidas e bebidas. Esta praxe determinava que estando presentes em alegre convívio comprometiam-se a serem os festeiros desse ano. Um compromisso denominado "cabresto": cada um responsabilizava-se por contribuir financeiramente, desenvolver o trabalho ou iniciativas necessárias, além dos encargos com a componente religiosa que era o principal, pois o objectivo primordial era assinalar e comemorar, o melhor possível, o nascimento de São João Baptista, ou seja, dignificar muitos séculos depois, quem batizou Jesus Cristo. No final, as despesas eram repartidas equitativamente por todos os que assumiam o "cabresto", embora cada um tivesse tarefas diversificadas tentando fazer o melhor que podia para corresponder às exigências de uma festa como esta. Ao Festeiro-Mor estavam destinados os compromissos tradicionais, enquanto os outros escolhiam de acordo com o que lhes apetecia naquele ano. Podiam fazer o que era habitual fazer a cada ano ou trocar com outro tentando fazer o mesmo com outras soluções e de outra maneira... inovando. Para as refeições, o Festeiro-Mor contratava uma cozinheira e um homem, geralmente um casal que já era conhecido de anos anteriores pela sua eficácia e bom desempenho, para servir a mesa e tomava nota de todos os gastos, desde pão e sal às iguarias. 



Após a primeira recepção na «Casa da Festa», saíam todos à rua para do exterior assistirem ao hastear ("arvorédâ" em montalvanês) da «Bandeira do São João» guardada aquando da escolha e "tomada de posse" do Festeiro-Mor no 24 de junho do ano anterior. Os montalvanenses que eram vizinhos do Festeiro-Mor ou que estavam de passagem juntavam-se por baixo da janela. A «Bandeira» era colocada, numa das janelas da casa, ato que era desempenhado pela esposa ou filha mais velha (se já capaz de o fazer) do Festeiro-Mor. No peitoril da janela, previamente, tinha sido colocado um lençol de linho "cercado", ou seja, guarnecido de renda em toda a sua volta. Por cima deste era lançada, debruçada, uma colcha ou coberta de damasco na qual assentava o pau ou mastro da Bandeira desfraldada e, para que não caísse, a extremidade inferior do mastro da Bandeira era fixada ao encosto de uma pesada cadeira, um cadeirão. Com o pano da Bandeira no exterior e a haste já firme, a esposa ou filha que colocara a Bandeira gritava para os festeiros e para o povo:

«Fetó, Meu Divino São João!» partindo o tamboreiro noutra arruada anunciando pela aldeia que estava arvorada a Bandeira de São João.


Alecrim

Quando a «Capela de São João» estava aberta ao culto religioso tendo ao fundo, no interior da mesma, a imagem de São João Baptista antes da Bandeira ser içada na «Casa da Festa» os festeiros ("os ricos") iam em romagem à «Capela de São João» levando o Festeiro-Mor - na vanguarda da romagem - a «Bandeira de São João» enquanto quatro festeiros, colocando o andor aos ombros, sempre com o Festeiro-Mor na dianteira com a «Bandeira» subiam a rua do Arrabalde e colocavam o Santo na capela da Igreja da Misericórdia que era durante a noite e o dia de São João, o centro religioso da aldeia. É provável que em tempos imemoriais o centro das solenidades religiosas fosse, mesmo, na Capela. Mas, isso, o tempo encarregou-se de o esconder de nós, mortais nascidos no século XX.


A Capela de São João localizava-se na rua de São João (deu nome a este arruamento) lado esquerdo de quem sobe em direcção à Igreja Matriz, quase no enfiamento da rua das Portas de Baixo, onde está hoje a casa com varanda corrida e azulejos exteriores no piso térreo. Antes de ser casa de habitação passou por um "estádio intermédio" em que foi curral para os cavalos do senhor José António Morujo

Entretanto ia anoitecendo, e já tarde, de novo o tamboreiro em arruada partia a chamar os festeiros para a ceia na mesma casa, a da Festa, finda a qual se dava início às «Cavalhadas». Estas a sério, com cavalos e éguas, em vez de machos e mulas (Santo António), burros e burras (São Pedro).



E o "Povo" montalvanense?
Além de participar na transferência da imagem de São João Baptista, entre igrejas, e no içar da Bandeira na «Casa da Festa» tal como nas cerimónias religiosas que entretanto podiam ocorrer (e ocorriam) na missa diária na Igreja Matriz tratavam dos últimos preparativos, juntando o máximo que podiam de rosmaninho (que havia e há "toneladas" ao redor de Montalvão), marcela (que estalava quando aquecida para gáudio da pequenada («catchôpos e catchópas» em montalvanês) e algum alecrim para na noite de 23 para 24 fazerem fogueiras, cada família a maior que podia fazer, aproveitando para «Saltar a Fogueira» principalmente os filhos e amigos dos filhos. Eram noites de verão inesquecíveis as fogueiras de 12 para 13 (Santo António), 23 para 24 (São João) e 28 para 29 de junho (São Pedro) de cada ano.


Rosmaninho

Cavalhadas. Dia I. Noite
De entre os festeiros lavradores, os mais novos iam preparar-se e às suas montadas. Vestiam calça branca e pelos ombros o «marôco», capa de paninho vermelho bordado a pano branco enfeitado com fitas de várias cores. As montadas apresentavam-se com a crineira e o rabo ornamentados com flores, e a cobrir o peito, preso ao peitoril e à sela, um lençol branco, qual gualdrapa medieval. 
Preparada a montada, o cavaleiro subia para a sela, com a «facha» acesa e dirigia-se para a «Casa da Festa», onde se concentravam. A «facha» era constituída por um pedaço de cana com um coto de vela protegida por uma armação de papel, como nas procissões, mas em forma de cubo aberto por cima.
Todos reunidos, com o tamboreiro a rufar o seu tambor, o Festeiro-Mor, o filho ou quem o representasse, de «Bandeira» ao alto e seguido pelos outros, cavalgavam até à Praça (central nas traseiras da igreja de Misericórdia) local onde teria lugar o "aquecimento" para as «Cavalhadas». Chegados à Praça (então um largo, em quadrado, de terra batida) davam, a passo, três voltas ao recinto, colocavam a «Bandeira» numa janela também preparada com o lençol "cercado" e a colcha de damasco. Com a bandeira desfraldada, largavam em correrias, mostrando a sua destreza. Eram autênticas exibições de equitação com os cavalos e éguas a mostrarem o que tinham aprendido durante a vida, em particular, durante o ano findo. Havia quem se esmerasse em passes e rodopios do mais fino quilate. Com o "aquecimento" concluído largavam, pela rua Direita (do Outeiro no início e depois do Cabo no seu final) ou rua de São Pedro, rumo ao «Largo (retangular) da Corredoura», onde, desde o cimo (Leste) até ao final (Oeste) corriam à desfilada, em compita de velocidade, dois a dois, até se irem eliminando ficando um apurado vencedor.



Os cavaleiros, terminadas as «Cavalhadas» na Corredoura regressavam, pela rua Direita (iniciando na do Cabo e terminando na do Outeiro) e rua de São Pedro, à Praça onde repetiam as três voltas a passo em torno do largo, recolhiam a «Bandeira» que, acompanhada por todos era reconduzida à «Casa da Festa». Com estas solenidades terminavam as exibições equestres da noite de São João. 
Nas ruas, cheirava intensamente a rosmaninho e alecrim queimado nas fogueiras e a aldeia ficava envolvida num imenso fumaçal com odor inebriante e agradável. Junto às casas dos "ricos" podia haver foguetes no ar e até exibições de «fogo-preso».   


O «Morôco» dos cavaleiros, utilizados pelos Lavradores e os seus filhos, na «Festa de São João». De ponta a ponta, um metro-e-meio. Vermelho tapeado a flores brancas. Na orla, enfeite metálico prateado

Florias dos homens
A festa noturna continuava com as «Florias dos Homens». Com a «Bandeira» na vanguarda empunhada pelo Festeiro-Mor, os festeiros entravam na igreja da Misericórdia, já repleta de montalvanenses, onde estava o andor de São João "armado" (devidamente ornamentado com flores envolvidas em tecidos finos e alegres) e preparado para seguir em procissão do dia seguinte, o "seu" dia. Rodeavam o andor muitos devotos, sobretudo mulheres, das quais duas entoavam louvores a São João com acompanhamento a adufes ritmados. As devotas cantoras (entoadeiras) revezavam-se havendo sempre um par em acção e, assim, continuavam até de madrugada, quase até (e até) ao «Nascer-do-Sol»(em Montalvão, por finais de junho, cerca das seis horas, quando em prática a hora de verão) . A música destes cânticos de louvores correspondia a uma salmondia lenta, repetindo incansavelmente, os mesmos e poucos versos, milhares de vezes durante as horas deste cerimonial em honra de São João Baptista (embora os versos devam ser pronunciados em montalvanês). Só que há algumas palavras e termos que não sei, só inventando, e isso está fora de hipótese:

«São João é bom santinho
Se não fosse tão velhaco
Foi à fonte com três moças
Foram três e vieram quatro

Ó meu divino São João Baptista
Ó meu Santo marinheiro
Levai-me na vossa barca
Até ao... (qualquer lugar ou localidade que termine em -eiro, como por exemplo, Rio de Janeiro; Herdade do Pereiro; Barreiro; salgueireiro)

Ó meu São João Baptista
Quem te deu a fita verde?
Foi uma moça solteira
De uma doença que teve»

Chegados os festeiros junto da imagem de São João, deitavam/faziam os seus "votos" em louvor do Santo, pedindo saúde para todos e a divina protecção para mais um ano da lavoura que se avizinhava.
Acabada a «Floria dos Homens» junto do andor, já na rua, o homem do tambor a rufar de forma diferente do tocar durante o dia, percorria as ruas, então já madrugada dentro, em sinal de estarem findos os atos festivos desta véspera e de ser conveniente cada um recolher às suas casas para o merecido, embora curto, repouso. 



Festividades no dia
O dia 24 era praticamente feriado. Não oficial mas oficioso. Os Proprietários (os "ricos") davam o dia ao feitor e seus proletários rurais. Os artesãos fechavam portas e só atendiam urgências inadiáveis. Os pequenos lavradores rendeiros trabalhavam a dobrar nos dias antecedentes para poderem estar livres no dia de São João pois animação e religiosidade não escasseavam. Antes pelo contrário. Montalvão tinha essa, entre muitas outras particularidades, tantas e tão diversificadas, que a tornam singular entre milhares de povoações em Portugal e no Mundo. Está consagrada a Nossa Senhora da Graça (por influência de Nisa - sede de concelho - na segunda-feira depois da Páscoa), tem como principal devoção (Nossa Senhora dos Remédios, em 8 de setembro) e como grande dia de festejos, São João Baptista, em 24 de junho. Actualmente, resta Nossa Senhora dos Remédios (ou «senhô'drumédes» em montalvanês) que congrega um pouco de todas as outras festas e folguedos, já inexistentes, em três dias que variam de ano para ano, em torno do 8 de setembro.



Cavalhadas. Dia II. Manhã
Na manhã do dia de São João de novo se corriam as «Cavalhadas» mas com um outro cerimonial, onde e fazia apelo à destreza em detrimento da velocidade. Os cavaleiros, de chapéu alto, sobrecasaca preta, calça branca e esporas, montavam sem o lençol na frente da montada. Chegados à Praça (quadrangular) era apresentada e oferecida por um homem do povo ao cavaleiro mais idoso uma cana recentemente  colhida, completa com as suas longas folhas. O cavaleiro levava a cana para casa depois de agradecer a oferta. Nas «Cavalhadas» da manhã e que continuavam pela tarde se não houvesse tourada, eram exibidos os atos de destreza a cavalo no Largo da Corredoura (rectangular) onde, a atravessar a rua e a conveniente altura, estava uma corda da qual pendiam várias argolas de ferro. O cavaleiro, em corrida a galope, e munido de uma vara simulando uma lança, procurava enfiar esta numa das argolas e retirá-la da corda. Certamente reminiscências dos torneios medievais (ou «Justas») contemporâneos da fundação de Montalvão em final do século XIII e início do século XIV.



Touradas na Praça
Na parte da tarde, logo depois de almoço, era frequente fazer-se a tourada de verão na Praça. Fechavam-se as duas ruas largas (São Pedro e Direita, depois Outeiro) e ruas estreitas (entre a Igreja da Misericórdia e a Igreja Matriz, ligações a norte, a do Outeiro e sul, rua do Hospital) com carretas (puxadas por vacas e bois), carros (puxados por mulas e machos) e carroças (puxadas por burros e burras). Também serviam de assento para quem quisesse assistir resguardado. As touradas eram mais frequentes quando algum dos "ricos" tinha um touro (boi não castrado), vacas "tourinas" ou bezerros e era, nesse ano, o Festeiro-Mor. Dava logo outro impacte ao São João desse ano. As touradas só o eram de nome. Havia pessoas a correr à frente dos animais e por vezes a tentar pegá-los. Quer uns quer outros, muitas vezes já com o seu "copito a mais" eram colhidos. Cheguei a ver alguns homens marcados por cornadas, como o Ti Manel Têxêra (Manuel Teixeira) e houve mortes. Com a inauguração, em 1933, da Praça de Touros, ao fundo das duas azinhagas - a da continuação da rua do Ferro e a da continuação da rua das Portas de Cima - de ligação à «Fonte Cereja» as "touradas" passaram a fazer-se no recinto devidamente apetrechado para tal, com outras condições, incluindo "embolas" nos chifres permitindo mais segurança aos atrevidos com mais ou menos "grão na asa". Como até aos Anos 20, o dia da «Festa de Nossa Senhora dos Remédios» era comemorado no local da ermida (e apenas num dia ou quando em dois os montalvanenses pernoitavam por lá) não havia touradas por essa festa. Depois com a construção da Praça de Touros começaram a fazer-se touradas no dia anterior e no dia seguinte. As "Festas da Senhora" passaram a três dias comemorados no «Largo da Corredoura». E na actualidade, talvez desde meados os Anos 90 do século XX, num recinto próprio, junto à «Praça de Touros» do outro lado da «Estrada da Salavessa» que é mais «Estrada de e para a Salavessa».



Missa e Procissão
Chegada a hora da Missa, todos os festeiros se encaminhavam para a Igreja Matriz a fim de assistirem aos atos litúrgicos. Por fim, era a «Procissão»: à frente o tamboreiro e outro homem a deitar os foguetes (o fogueteiro), a seguir a «Bandeira de São João» levada pelo Festeiro-Mor ou um seu representante, ladeado por outros dois, um de cada lado. Depois do andor com a imagem de São João Baptista levado aos ombros por quatro cavaleiros - geralmente também festeiros - ainda com os trajes de cavalgar, mas apeados. Os restantes ladeavam o andor e por fim o padre levando a «Cruz», seguido do povo montalvanense e visitantes de aldeias e vilas vizinhas. O percurso era o habitual * (ver NOTA na legenda da imagem com o itinerário da procissão). Era uma das maiores procissões, a par da Semana Santa, dos Passos e Corpo de Deus. Mas era sem dúvida, a mais buliçosa quando comparada com as outras, onde o recato religioso era maior. O foguetório dava-lhe esse cunho entre um misto de Fé e Folguedo, com a miudagem (e até alguns adultos) mais entretidos a tentar apanhar as canas dos foguetes depois destas caírem, muitas vezes nas tapadas e quintais adjacentes ao limite da aldeia, que propriamente no simbolismo da Procissão. Recolhida a procissão ia cada um para sua casa.


Na Procissão da São João o percurso era o habitual com a excepção do andor sair da Igreja da Misericórdia e chegar à Igreja da Misericórdia (substituindo na saída e chegada a Igreja Matriz). * Quando a capela de São João estava dedicada ao culto, o andor saía da Igreja da Misericórdia mas recolhia à Capela de São João, ou seja, depois de descer a rua de São Pedro e a rua do Arneiro em vez de inflectir para a esquerda, subindo o Arrabalde, inflectia para a direita descendo a rua de São João com a capela logo a menos de 15 metros do cruzamento da rua do Arneiro com a rua de São João, e do lado direito de quem desce a rua de São João. É provável que em tempos "muito antigos" a Procissão saísse e chegasse à Capela de São João. 

Nomeação do Festeiro-Mor para o ano seguinte
Pela tarde realizava-se a cerimónia de transmissão da «Bandeira» ao Festeiro-Mor do ano seguinte. Dentro da igreja, o Festeiro-Mor cessante passava a «Bandeira» para as mãos do escrivão que junto ao andor e com ela erguida, proclamava:

«Saiu eleito por mais votos para alferes de São João Baptista e para dar a «Festa» segundo os usos e costumes no ano de 1... para o ano de 1..., o senhor ....... Está por aí ou alguém por ele?»

Era da praxe o nomeado, que por via de regra estava presente, aguardar que a chamada se fizesse por três vezes. Só à terceira voz avançava, já com o lenço de seda na mão pronto para receber a «Bandeira». Com ela erguida seguia para sua casa acompanhado de todos os presentes e colocava-a à janela preparada com o lençol cercado e colcha de damasco, para que todo o Povo soubesse quem era o novo Festeiro-Mor. Convidava os acompanhantes a entrarem e servirem-se dos bolos e vinhos.
A «Bandeira» ficava exposta até à noite, para as "Florias das Meninas", e ao princípio da noite havia ceia durante a qual se comentavam os acontecimentos do dia, com louvores e chufas que não alteravam a boa disposição.



Florias das meninas
À noite, a filha do Festeiro-Mor, ou não a tendo, a menina mas íntima da casa, a quem era dado o nome de "Flor de Laranjinha", tomava nas mãos a «Bandeira» e ladeada por mais duas meninas, as «Madrinhas», juntamente com grande grupo de raparigas atrás, tangendo almofarizes e adufes em cadência com o tambor que seguia ao lado, tlim, tlim, tlintintim, o Festeiro-Mor e muito povo, dirigiram-se primeiro à Igreja da Misericórdia (ou à capela de São João tendo em consideração a alternativa já indicada neste texto) em visita a São João Baptista e depois percorriam as ruas. A esta ou aquela janela, a dona da casa pedia a insígnia e com ela presa nas mãos agitava-a para a direita e esquerda, dando o seu ventó:

«Fetó, meu divino São João» e acrescentava o seu voto. Por fim regressavam a casa.



«Água Nova de São João»
À meia-noite as raparigas iam em grupo à fonte de Nossa Senhora dos Remédios, a cerca de quatro quilómetros, ou aos chafarizes de Santa Clara ou de Paules, por exemplo, encher as «enfusas» com a "água nova de São João". Também deitavam um ovo sem casca num copo de água para antes do nascer do Sol observarem as formas caprichosas que tomara a clara, procurando interpretá-las como seria a profissão do futuro marido.
Nesta mesma noite as raparigas faziam "capelas" de ramos de videira enfeitadas com cravos. Uma de cada vez punha-a na cabeça e recitava:

«São João casai as moças
Que vos trazem capelas
Àqueles que as não trazem
Deixai-as ficar donzelas

São João casai as moças
Que vos fazem fogueiras,
Àquelas que as não fazem
Deixai-as ficar solteiras»

... e outros semelhantes.


Festividades no dia seguinte
No dia 25 de junho, dia seguinte ao da «Festa de São João», ainda havia, na «Casa da Festa» o almoço dos festeiros que aceitaram a organização das comemorações do São João desse ano e à tarde o jantar, orientado pelo Festeiro-Mor, findo o qual se faziam as contas de todas as despesas que eram equitativamente repartidas por todos, como boa e democrática prática.




Eis Montalvão cuja origem remonta ao mais puro rito do Cristianismo Templário. As atividades humanas decorriam pontuadas pelas cerimónias do Divino
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