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30 novembro 2021

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Festa de Santo André

30 novembro 2021 0 Comentários
A 30 DE NOVEMBRO, OS HABITANTES DO MONTE DE SANTO ANDRÉ ASSINALAVAM O SEU SANTO PADROEIRO.


Era uma festa bem popular e que se "perdia no tempo" o início da consagração do Monte a Santo André. Nos Anos 40 e 50, a taberna do Cananã, na rua do Meio (no topo, contrário ao local da Capela), brilhava com deslumbramento, embora a Capela estivesse em ruínas. Em 2019, retomou-se a tradição junto à Capela.


O Santo André, em 1758, não devia ter qualquer habitante pois não aparece nomeado junto aos seis lugares referenciados pelo Vigário Frei António Nunes Pestana de Mendonça, existentes no concelho de Montalvão: Monte de Rollo, Monte do Pégo do Bispo, Monte do Amaro Fernandes, Monte do Pombo, Monte da Salavessa e Montalvão.    



Em relação aos edifícios religiosos, a pergunta é:



(Transcrição) «Se tem algumas Ermidas, e de que Sanctos; et estam dentro, ou fora do Lugar, e a quem pertencem?»

A Ermida de Santo André merece destaque no citado inventário:



(Transcrição) «As Ermidas, quem dentro da Villa, hé somente a de Sam Marcos, que tem altar próprio, que tem Irmandade, e nada de renda; tem outro altar em Sam Joaõ Baptista; outro de Santa Maria Madalena, que naõ tem Irmandade nem renda = Fora da Villa tem Igreja do Espírito Santo, que tem Mordomos, e algumas rendas = Tem mais a Igreja de Sam Pedro, quem Mordomos, e alguma renda = tem mais a Igreja de Santa Margarida, que naõ tem Irmandade, nem renda = Tem mais a Igreja de Santo André Appóstollo, que também naõ tem renda, nem Irmandade, e somente no seu dia se lhe canta uma missa por conta das rendas, que deixou Frey Pedro Carrilho ao hospital =» 

Tudo indica que a Capela fosse mesmo, durante muitos anos, uma Ermida, ou seja, um edifício de culto cristão que ficava num lugar ermo, que não era habitado. As pessoas, as casas, as famílias, o bulício, ou seja, a vida dos habitantes do Santo André, surge depois. Bem depois! No final da primeira década do século XX já há registos de batismo com crianças nascidas no lugar do Santo André!

Instituto Geográfico e Cadastral; secção CC (Montalvão); escala 1/5 000; Campanha de 1959. No topo do lado direito a Capela - que estava em ruínas nos Anos 50 - e casa adjacente
 

O Santo André, em 1940, tinha mais de duas centenas de habitantes.


No Recenseamento de 1940, no Santo André, habitavam 240 pessoas - 119 homens e 121 mulheres - que pela meia-noite de 12 de dezembro ocupavam os 65 fogos; NOTAS: Fogos = edifícios para habitação; V - Varões/Homens; F - Fêmeas/Mulheres; VF - Totais

O Santo André (durante decénios Monte de Santo André) era o lugar da gente mais pobre dos pobres de Montalvão. Hoje está deserto. Mas há sempre histórias, mesmo em lugares hoje desertos mas que já estiveram a abarrotar de montalvanenses.


No topo do lado direito a Capela já recuperada (desde os Anos 60) com a casa adjacente nas traseiras

A Festa de Santo André começava ao pôr-do-Sol de 29 de novembro com folguedos vários para na manhã seguinte (30 de novembro) haver missa, na Capela, consagrando o Santo protetor à sombra do qual se foi organizando um pequeno povoado.


Uma espécie de Milagre de Santo André

Há muitos, muitos anos nasceu um homem numa modesta casa do Santo André. 



Chamava-se Ti Manel Texêra. Cresceu e casou para outra casa do Santo André. Um pouco melhor para poder dar espaço aos filhos que o casamento adivinhava.



Analfabeto, pobre, pé descalço, sem bens a herdar a não ser o que ganhava à jorna decidiu que havia outra vida para além da pobreza. Deixou o «Santo» e foi viver para a «Vila» numa modesta casinha encravada nas traseiras da Igreja de Misericórdia. 



Foi aqui que nasceu o seu filho, segundo do casal depois de uma filha nascida, ainda, no Santo André.



Um dia o filho, ainda antes do tempo da ida à Escola mas mesmo à justa no ano em que devia ter começado - por isso entrou um ano depois - deslocou o fémur numa qualquer brincadeira de criança. Entretanto mudara já para uma casa, com melhores condições, no Fundo da Rua. Sem que a criança pudesse andar normalmente, vivia a coxear, foi-lhe dada como que uma sentença final: nada havia a fazer... tinha reumatismo. Viveria a sua existência a mancar. Após meses, condenado a uma vida como entrevado, o Ti Manel Texêra, analfabeto decidiu que o filho não seria um inválido. Se ele conseguiu sair do destino que o Santo André lhe reservava na pobreza, o filho também conseguiria desviar-se do destino a que os médicos desinteressados e com outras ocupações, que iam à Vila o condenaram, a mancar uma vida. Sem saber ler, nem escrever, depois de ver o filho, em esforço, a coxear, pegou nele de tronchas ("às costas") apanhou transporte para um comboio e foi a Coimbra! À procura do doutor Moura, importante médico no Hospital de Coimbra, nascido em Montalvão. O Ti Texêra, um homem analfabeto que só conseguia contar as estações mas não sabia ler onde estava. Não é de crer que, em Montalvão, muitos alfabetizados, até letrados, a tal se dispusessem! Em Coimbra, o diagnóstico foi feito: não era reumatismo, era o fémur... deslocado! Chegou passados três dias, a Montalvão, com o filho, ao seu colo, engessado da cabeça aos pés e eis que passados seis meses acamado - no final a mãe, Xá Marí Jaquina, colocava-o nos degraus da escada obrigando-o a gritar enquanto fazia funcionar, de novo, as articulações - a criança voltava a andar. Normalmente como os da sua idade. 



Acompanhou o pai, depois, a singrar na vida. 

 

A fazer carvão, a tirar cortiça, a apanhar azeitona, em Montalvão e arredores e na Beira Baixa, do Ocreza ao Pônsul.

Fotografia de Artur Pastor

Acabou a morar numa casa que sendo de uma família pobre tinha dimensão e qualidade como a dos Lavradores com criados. Talvez o melhor edifício de um pobre de Montalvão equiparada às casas de alguns "ricos".




O filho retirado à invalidez de uma vida pela coragem e sábia decisão de um pai analfabeto, fez o que tinha que fazer:

Em Montalvão estudou
Na Beira Baixa com o pai trabalhou
Em todo o lado o pai ajudou
Na tropa muito marchou
Na Índia telegrafou
Na Matriz da Vila casou
Em Ficalho fiscalizou
Na Figueira da Foz cavou
Filhos criou
Em Lisboa muito labutou
A todos tudo possibilitou
Desta vida se libertou
A morte levou
Tudo porque o pai ao destino o resgatou 

Montalvão também tem destes heróis. Os heróis improváveis e desconhecidos como o Ti Texêra!
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